08 junho 2011

Diário versus Blog ?

Foto retirada da Revista brasileira Manchete que publicou em vasta reportagem as primeiras eleições realizadas em Portugal depois do 25 de Abril, para a eleição da Assembleia Constituinte, em Maio de 1975.



Quando era rapariga, daquela idade em que certos romances e filmes mostram ou deixam supôr meninas sentadas, provavelmente a horas certas de cada dia, a escrever «meu querido diário...», eu tive sempre a desconfiança de que esses pontos de partida ou mananciais de "emocionantes acontecimentos", correspondessem a uma qualquer realidade. É verdade que uma adolescente tem naturalmente uma intensa chama deVida sempre a crepitar dentro de si, ateada pelas novidades, as surpresas, os sonhos e as respectivas decepções ou materializações, e quantas vezes tudo isto é caldeado em descobertas inconfessáveis a exigirem um ou uma confidente... sendo então o«meu querido diário...»o único possível. Mas não é menos verdade que o tempo, o recato, a tranquilidade, que certamente eram o que eram, na vida de uma menina dos séculos das minhas avós e dos romancistas em que estou a pensar, não foram mais da mesma forma desde o alvorecer do século XX. Eu desconfiava, como disse, porque, na minha organizção de vida, nunca me vi com espaço (tempo?) para me dedicar a esse exercício sentimento-mental-digestivo-depurativo. Talvez por causa disso virei, nesta idade terceira, em sõfrega degustadora dos silêncios e dos papéis...
Quando, eis senão quando, explode, na minha própria casa, mesmo na minha mesa de trabalho,esta coisa espantosa e absorvente chamada COMPUTADOR ! Com todo o seu séquito de coisas novas com nomes novos, com uma cartilha nova, até com uma ética nova...
Curiosamente,começamos com ele e relativamente à função social do Diário que era intimista e secreto, a inverter todo esse tipo de qualidades, pois o computador como que nos atira para o meio da multidão e o que nele escrevermos pode chegar a todo o Mundo.Mas há a enorme sedução de que, por ele, todo o Mundo passou a poder entrar na nossa intimidade e por ele podemos saber muito mais de tudo, de tudo mesmo, e então ganhamos a apetência de crescer, de ir tão longe quanto possível, de correr atrás do possível leitor, porque começamos a perceber, por comparação, quanto temos para dizer, pessoas do Mundo, já não só eu, esta aqui, no cantinho destas coordenadas...
E falo de mim ou do meu país ou do meu Deus. Falo sim. E às vezes é mesmo um Diário Que eu sei estar a ser lido algures onde eu-pessoa nunca chegarei...
Aquele lindo casamento de amigos ,numa igreja de fulgurante Barroco,a abrir-se, numa tarde doirada, sobre uma panorãmica Lisboa a escorrer para o Tejo, quem iria falar dele senão eu que era certamente a pessoa com menos tarefas a cumprir naquelas ocasiões? E há uma tia no Brasil e um irmão na Polónia que vão poder ler isto que fala dos seus, tão longe !
Haverá muitas vezes um ecoar distante de coisas repetidas, como por exemplo o que se pode dizer de umas renhidas eleições que fazem mudar completamente o cariz das regras que nos vão conduzir e que tão gravosas se nos apresentam, desde o último domingo em que fomos todos marcar com um pequeno signo aquilo que gostaríamos talvez de não ter que marcar.Se faço esta observação é apenas porque o ter que nos dá uma marca de obrigação a que ,tantos anos passados sobre as primeiras eleições por mim vividas quase em festa, não desejaría ninguém ver-se compelido .
Isto tudo faz parte desta nova maneira de ter um «meu querido diário...» Só que estamos no Mundo e é século XXI ... Alguém reconheceria na foto de 1975 (cabelos tornados pretos pela idade do papel da Revista recortada) a cabeça que, desde então, continua sonhando sonhos do tempo dessa iniciação cívico-política, se não existisse este moderno repositório de memórias?

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