29 março 2007

SOLIDÃO

De JOSÉ GOMES FERREIRA
Nunca mais
deixes sangrar no coração
esse violino de punhais
a que chamam solidão.
Transforma-o noutro violino de astro fundo
para que a tua canção
chegue à nossa pele
e aqueça o mundo
( embora te gele )...

27 março 2007

Luxo Asiático









Uma pessoa amiga enviou-me um e-mail com um verdadeiramente admirável documentário sobre esta deslumbrante obra no DUBAI. Trata-se do único ( ? ) hotel de 7 estrelas do mundo e se acaso por lá "passarmos", só para o visitar, teremos que pagar 60 euros... O resto é o chamado luxo oriental.As salas, salões e salinhas, os quartos, as suites, os bares ,as piscinas... É tudo para os gostos de pessoas que certamente condizem com aquilo, em género e número.
E, nem eu sei porquê, veio-me à memória uma pequena mas atribulada viagem das que fiz ,em serviço, ao LUXEMBURGO. O meu voo ia a FRANKFURT e lá apanhava a ligação para o Luxemburgo. Tudo estava calculado ao minuto para que chegasse ao hotel à hora certa de,arranjada e perfumada, me incluir no grupo que acompanharia o nosso ministro, que chegara de manhã ao hotel, para irmos a um importante jantar na nossa embaixada. Aconteceu que, de pequenos atrasos em pequenos atrasos, cheguei a Frankfurt quando o meu avião para o Luxemburgo, estando ainda na pista, já tinha fechado as portas e se preperava para começar a rolar ...Originou-se um espantoso movimento em todos aqueles serviços, porque era uma pessoa e a sua bagagem que era forçoso meter naquele avião.Tudo em movimento, de mim só se exigia que corresse desde o balcão da chegada, até à porta daquela saída...Era uma lonjura ! E eu corri. Creio que corri ali tudo o que tinha que correr para o resto da minha vida ! Mas ( e aqui me surge o Hotel do DUBAI ) o que vou encontrar numa zona daquela minha pista de corrida ? Talvez umas duas dezenas de cidadãos árabes, alguns agarrados às suas contas de rezar, com as suas características roupas claras e turbantes,dormindo profundamente,espalhados por todo aquele chão !!! Era, para quem queria passar, um verdadeiro campo de obstáculos, só se podendo avançar saltando por cima de um e outro e outro corpo...E foi o que eu fiz, meu Deus, tão aflita ! Convém que diga que cheguei ao jantar importante já sózinha porque,é claro, o senhor ministro não iria chegar atrasado por causa de um dos seus elementos de équipe, que não fui lá muito perfumada, que não usei o vestido que levara para aquele fim, mas que ainda cheguei a tempo de tomar um qualquer aperitivo antes de irmos todos para a mesa...! Sonhei depois que o ministro e o embaixador estavam a dormir no chão da embaixada e todos à volta, vestidos de árabes, falavam baixinho uns com os outros...Penso que ,no meu sonho , eu já nem existia...







25 março 2007

UNIÃO EUROPEIA

Muitas coisas verdadeiramente grandes da História foram acontecendo ao longo da minha vida e em algumas até tive uma fímbria de intervenção. Mas que a existência da União Europeia ,que nós começámos por baptisar de CEE, já tenha 50 anos, isto até me parece mentira ! Um dia em que tive a sorte (digo-o porque ele sempre foi alguém interessante, não por fascínio de colecção de vips) de tomar café com o senhor DELORS, no tranquilo salão do Hotel Ritz, ele disse-me: Não se esqueça !Virá tempo em que vamos pensar em tudo "isto" como tendo sempre feito parte das nossas vidas! ISTO era precisamente, durante outra presidência portuguesa, em que os trabalhos a decorrer, às vezes causavam alguns sobresaltos momentâneos. E lá foram 50 anos em que o Mundo virou os pés pela cabeça e eu para aqui a envelhecer e a transformar-me num baú de recordações !Mas oiço o Hino à Alegria com um certo frisson...Sempre é verdade que já está fazendo parte da minha vida. E o corpo é uma harpa de repente.Animal de Deus, eu.Uma ferida.(Herberto Helder)

22 março 2007

MIGUEL TORGA

Hoje é preciso ler Torga !

INVENTÁRIO

E,apesar de tudo, sou ainda o Homem!

Um bípede com fala e sentimentos,

ao cabo de misérias e tormentos,

continua

a ser a minha imagem que flutua

na podridão dos charcos luarentos.

Sou eu ainda a grande maravilha

que se mostra no mundo.

O negro abismo que tem lá no fundo

um regato a correr,

uma risca de céu e de frescura

que murmura

a ver se alguma boca a quer beber

!

19 março 2007

DIA DO PAI — DIA de S.JOSÉ


Ao meu Pai que se chamava José.


Primeiro, a mão pequenina
aprende os gestos em cruz
e a boquita já murmura
"Em nome do Pai...", que era
Pai do Menino Jesus...

Junto à cama, pela manhã,
e à noite, à cabeceira,
aprende-se a ajoelhar
pra falar com o Pai do Céu...

Mas ao da Terra, esse Pai
que pousa em nossas cabeças
a mão quente, a abençoar,
e nos acolhe nos braços
quando nos fazem chorar,
aprendemos a amar....
Era uma outra maneira...
Ligavam-nos outros laços...

Crescemos, vamos partindo
e muita coisa aprendendo
mas tanta não entendendo,
que os Pais ( da Terra e do Céu)
nos parecem estar fugindo...

Difícil, esse ABRAÃO que o seu filho mataria!...
E mesmo o Pai de DAVID, que do Senhor o escondia...

Juntámos, sempe com dor,
às imagens mais sofridas
a aprendizagem cristã
de pecar, mas ser amado
por esse Pai que de nós
em caso algum desistia...

E foi que então descobrimos
que éramos nós, de joelhos,
e o nosso Pai que acolhia,
nessa tela de REMBRANDT...

17 março 2007

ANTÓNIO LOBO ANTUNES

Desde que, em 1979 , me deparei com a MEMÓRIA DE ELEFANTE, nunca mais deixei de estar atenta ao que iria sair da pena daquele "construtor" novo na literatura portuguesa. À medida que foi produzindo, o fui eu apreciando mais e mais, não já tanto pelos temas que desenvolvia, mas pela originalidade formal, pelo gozo que lhe adivinhava na experimentação de certas construções, na novíssima adequação de certas palavras, no "labor" da execução. De tal forma isto era para mim fascinante que adquiri um hábito de o ler à maneira do que dizia Napoleão d'abord je m'engage, puis j'y pense . Não que a forma prejudique o conteudo ! De modo nenhum; antes lhe dá uma certa "efervescência"( como eu receio ser aqui mal interpretada!) que eu acho muito inovadora na textura da prosa portuguesa. E assim foi que me senti premiada quando agora foi atribuido um prémio dos maiores a este meu sempre "escolhido" Lobo Antunes...Li algures que este prémio pretende consagrar quem tenha contribuido para o enriquecimento do património literário e cultural da língua portuguesa. De todos os que até agora receberam o PRÉMIO CAMÕES para a Literatura, haverá algum que mais o tenha merecido ? E não terá ele merecido mesmo outros reconhecimentos oficiais das suas tão específicas qualidades ?

08 março 2007

Dia da Mulher / 8 de Março

Dizer de ser Mulher
será preciso?
Umas das outras, nós sabemos tudo.
E a forma como damos a saber
a força imensa
da nossa fraqueza
é sendo mães, amando,
fazendo do trabalho uma alegria
e dando tanto a todos, em beleza,
quanto nos dá o pão de cada dia...
Dizer de ser Mulher
é dizer companheira,
se ter um companheiro for destino...
Dizer de ser Mulher
é dizer ser presença, ser esteio,
sendo a parte mais frágil do cristal
num mundo muito pouco cristalino...
Dizer de ser Mulher, será preciso ?
Arriscámos um dia o Paraíso
por uma convicção bem definida:
ser MULHER
era só , afinal,
ser a fonte da VIDA !...

06 março 2007

É possível"conversar"ou só "falar"?

O sábio fala para dizer "ALGUMA COISA".
O néscio diz "QUALQUER COISA " só para falar.
Platão

01 março 2007

KAROL-um homem que se tornou Papa

Escrevo hoje ainda sob a fortíssima emoção que me provocou o visionamento de um DVD que me foi oferecido por uma amiga "porque sabia que eu ia gostar".
Trata-se de um conjunto de dois discos realizado por Giacomo Battiano, com banda sonora da autoria de Ennio Morricone, e com o título KAROL_ O homem que se tornou Papa.
Claro que, como a minha amiga previra, gostei.Gostei muito. Mas sofri muito. Posso dizê-lo, mesmo correndo o risco de que quem acaso ler estas notas possa achar o emprego aqui do verbo sofrer,não só um exagero, mas também um lugar-comum.
A verdade é que eu não esperava ser assim subitamente posta em presença viva, real, do drama, da tragédia, que se abateu sobre a Europa da minha juventude e da qual nós, em Portugal , mal tacteámos apenas as franjas, mal nos démos conta de dores remanescentes de cada dor maior que se ia sucedendo a outra, e a outra,e a outra...
Na pátria de KAROL WOJTYLA ,aquele desprezo pelo ser humano, que foi manifestado desde o tirar a vida, até, em gradação regressiva, tirar as casas, as escolas,as igrejas, as cidades, e os alimentos, e os hospitais, e tudo, tudo, foi a manifestação mais repugnante que eu já esquecera de quanto o ser humano é também capaz de descer tão demoníacamente fundo...
Porque eu conheci gente "da guerra". Estudei com alguns que chegaram até à minha Faculdade, então ali a SÃO BENTO.Vi,passadas por baixo das mesas, as primeiras fotografias dos campos de concentração, tão inimagináveis que parecia que nos queimavam as mãos. Fui despedir-me de alguns que partiram para alistar-se nos seus países depois de deixarem aqui a família a salvo.
Logo que foi possível, já casada, fui a PARIS conhecer uma irmã da minha sogra que não arredara pé da sua casa em Montmartre, com ocupação, sem ocupação, agarrada àquele então lendário desamor de franceses por alemães.Levámo-la a jantar fora. Ainda não estavam reabertos muitos restaurantes, mas queriamos mimá-la, passeá-la...E no primeiro jantar surpreendi-a a,surrateiramente, meter na sua carteira os pedaços de pão que restavam na mesa. Como era possível ?...Depois de uma conversa carinhosa percebemos o seu " terror" doentio de ficar sem pão... E já não havia guerra! E havia muito mais terrores de que, como graça de DEUS ,nos fomos esquecendo...Isto é : pensamos que nos fomos esquecendo. O "meu"Saint Exupéry dizia depois de uma passagem por Lisboa, nessa época, que "Lisbonne en fête défiait l'Europe".Fazíamos a Exposição do Mundo Português e era mesmo uma festa. Mas não foi suficiente para apagarmos as nossas memórias dolorosas. Veja-se : basta que nos salte ao caminho um DVD e eis que tudo reaparece a parecer-nos que foi um mau sonho !
Pobre,sofredor, perseverante,não seria mesmo este o caminho da santidade de KAROL WOJTYLA ?