25 abril 2008

25 de Abril

Sempre com a mesma emoção, a amálgama de recordações. A espaços, uma ou outra lágrima...
Tudo o que escrevi há um ano, tornaria a escrevê-lo hoje. Esta Lisboa que parece gente, às vezes, põs-se bonita de sol, de azul, de luz, para que as pessoas possam "ir para a rua gritar"não de raiva, mas ou de esperanças ou de memórias, o que as torna diferentes do cinzentismo de todos os dias... Vamos reler este blog, no meu post do ano passado?
Por todo o serão deste dia e entrando pela madrugada, a nossa televisão ofereceu-nos um completíssimo rememorar das Canções de ABRIL... "Uma gaivota voava, voava..." "pergunto ao vento que passa, notícias do meu país", "venham mais cinco..." e muitas, desde "Grândola vila morena", um nunca acabar ! E a "Pedra Filosofal" ? Vieram cantá-las todos os seus intérpretes de há trinta e muitos anos, alguns cantautores, todos os que estão vivos e com saúde... Claro que, no remanso do meu solitário serão, cantei com eles, tendo embora esquecido muitos pedaços das letras que quase todas eram poemas de autores consagrados. Foi tão bonito ! O público maciço que fazia regurgitar o Coliseu, cantava também e quase se podia palpar uma nuvem de emoção a pairar por cima de todas aquelas cabeças... Os temas, as toadas e principalmente os cantores ! Comovia-nos a todos, o vê-los assim, naturalmente envelhecidos e a tornarem-nos tão presentes, com o seu fogo, com o seu entusiasmo, aqueles tempos em que todos sonhávamos, podendo ou não dizê-lo, mas vendo os nossos sonhos materializarem-se pelas bocas deles... Emoções, emoções, umas sobre outras , e saudades de tanta, tanta coisa, na hora de encerrar este dia tão "grávido" de esperanças, como os olhos da "Amélia dos olhos doces"...

24 abril 2008

24 de ABRIL


De Miguel Torga :


Falta a luz dos teus olhos na paisagem:
O oiro dos restolhos não fulgura.
Os caminhos tropeçam à procura
Da recta claridade dos teus passos.
Os horizontes, baços,
Muram a tua ausência.
Sem transparência,
O mesmo rio que te reflectiu
Afoga, agora, o teu perfil perdido.
Por te não ver, a vida anoiteceu
À hora em que teria amanhecido...

13 abril 2008

Dia do Bom Pastor


SALMO 22

O Senhor é meu pastor: nada me faltará

O Senhor é meu pastor, nada me falta.
Fez-me descansar nos prados verdejantes,
conduziu-me às fontes mais puras
e lá restaurou as minhas forças.


Ele me guia pelo caminho mais seguro
para glória do seu nome.
Passarei ravinas tenebrosas e não temerei:
Vós estais comigo, o vosso cajado me tranquiliza.

Aos olhos dos meus inimigos
me preparastes a mesa da abundância
e corre sobre a minha cabeça o perfume da unção.
Está repleta a minha taça !

A vossa bondade e misericórdia me acompanham
no caminhar da minha vida.
Habitarei na casa do Senhor
ao longo de todos os meus dias...


Eu sou o Bom Pastor. Conheço as minhas ovelhas e elas conhecem-me.
Escutam a minha voz e seguem-me porque a reconhecem...
Evs. de S. João

06 abril 2008

Recordações versus Mobilidade

Estamos a atravessar uma época da vida do nosso país em que, por causa da implementação de várias reformas promovidas pelo governo em praticamente todas as áreas das nossas actividades cívicas ou sociais, somos levados a estabelecer comparações, a formular processos de aceitação ou de recusa muito pessoais, e a, quase sem darmos por isso, sermos inflamados pelas mais ou menos ruidosas manifestações de rua de que tomamos conhecimento pela comunicação social e que já se vão tornando habituais, visto que de todas as áreas surgem os que queriam outra coisa e não a que lhes é dada.A verdade é que o viver neste nosso país deixou de ser igual àquele a que estávamos habituados. Por muitas e muitas razões que não caberia aqui dissecar.E que dizer então das diferenças que vêm ao encontro das pessoas da minha geração? Nós, aqueles que vivemos a segunda Guerra Mundial, estremecemos com a novidade do poder atómico, conhecemos o fazer e depois o desfazer do Muro de Berlim, e que das guerras desconcertantes já haviamos conhecido a Civil de Espanha e viemos a suportar em nova angústia a Guerra do Ultramar, nós os que ,cansados de quase tudo, nos deslumbrámos com a Revolução dos Cravos e começámos a sonhar com o tal país que sabíamos ser possível, nós os que haviamos trazido para este país novo uma pequena trouxa com os tesouros que achávamos que devíamos guardar (tradições, educação, memórias, crenças, verdades, História, solidariedades...), nós os que, amando todos com amor-verdade a velha Europa, ainda não tinhamos percebido( e creio que ainda não percebemos)como seria difícil acertar o passo com ela,para uma vida em comum, com um dinheiro em comum... ... Sim, somos nós os que nos sentimos agora mais estranhos no meio de estranhos ...
E há dias soube que só mesmo no fim deste ano de 2008 poderá aceder a uma nova consulta alguém que anda a coxear há meio ano porque há meio ano lhe foi diagnosticado um pequeno quisto por detrás de uma rótula, com o aviso de que seria bom que o seu volume não aumentasse para não prejudicar o andar e de que,se isso se desse,deveria ser operado como é óbvio.
Comecei então a recordar aquele tempo em que não havia o hábito de se ir aos hospitais senão quando era recomendado por aquele médico já nosso amigo que nos tratava os sarampos, as "bexigas" e as diarreias e nos auscultava, carregava na barriga e dizia de que estávamos padecendo.E vinha a nossa casa sempre que era preciso.Hoje,ninguém vive sem frequentar um qualquer hospital.As pessoas queixam-se, mas, sem esse ponto de convergência dos sofrimentos, ninguém se sente gente. É também por isso que deixou de se nascer em casa e praticamente também deixou de se morrer em casa. Parece até que a casa não é mais do que um usufruto a que se tem acesso mas não é já um local de raíz, um vínculo a uma terra, a um "clã", a uma qualquer associação de bairro...É um local efémero para onde entramos ao colo de alguém,visto termos nascido na maternidade,e de onde sairemos um dia levados pelos gatos-pingados ou pelos bombeiros ou maqueiros,no caso de nela morrermos ou de sairmos para ir morrer no tal hospital... Pujantes, em pleno gozo de todas as nossas faculdades,tornámo-nos pouco afeiçoados á casa.Também é verdade que as tais reformas governamentais parecem induzir-nos a essa forma de vida, uma vez que predomina pela Europa uma moda que eu reputo de trovadoresca :a da mobilidade.Mas ,consumistas como se espera de nós, vamos enchendo a casa, marcando-a, impregnando-a de coisas que muito falam de nós, de como somos família, de como nos entrecruzamos dentro dela, até que um dia ela regurgita de sombras, de silêncios, de ecos, qual película impressionada por flashes mais ou menos rápidos, projectados sobre as nossas presenças, mesmo fugazes. É assim que eu descubro uma razão para a existência de "casas assombradas"... Quantas vezes nos parece possível termos ouvido a voz de alguém que já partiu?
E vermos a sombra de alguém que já é apenas sombra? E ouvirmos o abrir da porta como só alguém fazia? E cheirarmos um cigarro há muito apagado para sempre?E até o guizinho da coleira do gato que também partiu... Sei que da efemeridade das presenças,resta a perenidade de todas as "marcas".Contra isto não há "mobilidade" que tenha poder.
Nada tem poder contra o charme indelével das nossas recordações !...