23 setembro 2006

OUTONAL



Entro dentro do outono
pela floresta
que se enrola na bruma
e, túmida de vida,
vai macerando musgos e bolores
opaca, mansa
e quase adormecida...
Pelo chão,as velhas folhas desmaiadas...
E,ao passo dos meus passos silenciosos,
escuto estalidos breves
e crispados
de coisas que não esperam ser pisadas.
Bagas vermelhas, cachos. entre espinhos
flamejam, capciosos, defensivos,
a proteger as sebes e os espaços...
Mas são os cogumelos insidiosos
quem se esconde pelos cantos mais discretos !
Os tons do verde todos se matizam
sob a abóbada fulva, acobreada,
dos plátanos antigos
quase catedrais !
Adormece a floresta a aquietar-se
pra espessas, longas noites invernais...
Cumprem-se os ritos místico, secretos.
de donzela a guardar-se
para as festivas bodas estivais !...

17 setembro 2006

Abertura do novo ano lectivo

Esta sensação de estar no limiar de um qualquer acontecimento pelo qual se esperou, mesmo sem impaciência, mesmo sem curiosidade, nunca deixa de produzir uma certa turbulência na nossa alma...E O que é que estarão a sentir algumas centenas de professores novinhos "em folha" neste fim de semana que os separa do começo das actividades de um novo ano lectivo ?
Há , este ano, uma espécie de efervescência borbulhante em redor deste evento como nunca conheci, em tantos e tantos anos lectivos que iniciei ao longo da minha vida. Tantas vezes se ajustaram programas, tantas vezes se seccionaram de formas novas as fases da aprendizagem, tantas vezes se ensaiaram novas pedagogias, mas o núcleo duro dos professores mais experientes e a tímida turma dos que iam começar estiveram sempre lá,prontos a arregaçar as mangas e seguir...Não que não houvesse discordâncias com algumas inovações, mas mesmo com elas, fazíamos força para dar-lhes o nosso jeito...Queríamos ser capazes...
Tudo o que estou aqui a recordar, não é por nenhum daqueles "no meu tempo..." que são mais vezes ridículos do que úteis. É sim porque percebo que talvez agora ,tal como adivinho ou oiço,não vai poder haver tanta alegria como gostaria que houvesse nesta coisa lindíssima que é o encontro de gerações para uma espécie de passagem do facho...
Há projectos novos , mas há tanta perplexidade que tudo fica um bocado inquinado para apetecer... É difícil, está difícil... Materialmente,enleiam-se distâncias com pedagogias, casas com programas, livros com dinheiro, conceitos com práticas... Se ensinarmos agora aquilo que só se pode compreender mais tarde já é por si só uma desmotivação, o que não será juntar a isto, tudo o que não é "juntável" de que falei há pouco ?
Estamos pois no limiar de qualquer coisa que fervilha nas nossa cabeças, sem nos permitir aquela perspectiva que sonhávamos... Ao menos que não nos falte a esperança !...

10 setembro 2006

O PAPA

Quando em Lisboa se realizou o grande encontro de Tai-Zé, recebi em minha casa três estudantes polacos: duas raparigas e um rapaz, todos universitários, estando uma delas já aestagiar como professora. Só falavam bem o polaco.O inglês era uma ponte muito exígua por onde conseguíamos tentar algumas travessias de entendimento.Mas acabou por ser tudo muito bom o que foi acontecendo. Ficámos amigos. Houve até lágrimas à despedida.
Curiosamente, só o rapaz é que tem mantido contacto comjgo, escrevendo-me em bom inglês a que eu sempre respondo. Foi assim que, quando perdemos João Paulo ll , o Mariusz me escreveu a dizer que o mundo ficava um pouco mais triste...
A vinda de um papa alemão que quase todos os católicos conheciam como muito rigoroso e até algo duro,foi um sobressalto. E temos andado quase todos, mais ou menos a medo, a tentar conhecê-lo mediante o que ele vai fazendo que nós possamos "ver", sejam ele aparecimentos em público, sejam ele declarações ocasionais, sejam ele documentos de doutrina ou simples afirmações, publicações avulsas ou o que quer que seja...
E não é que ele se vai "deixando amar", cada dia um pouquinho mais ?
Hoje, em Munique,uma esplendorosa missa campal. Algumas pessoas minhas amigas vieram falar-me dos olhos do Papa.___Tu viste como o olhar dele se ria e se tornava tão enternecido com as crianças?___Bem, toda aquela envolvência da multidão que aplaudia, do desempenho fantástico da orquestra, da limpidez dos cânticos daquele imenso coral juvenil juntando-se inesperadamente a uma enorme pureza na simplicidade da celebração, tinham forçosamente que se traduzir na singeleza carinhosa da homilia e, consequentemente, no enternecimento do olhar do Papa. Para com todos, não só para as crianças.
Tudo o que se passou não foi mais do que um abraço que o Papa foi dar à sua Baviera. E esse abraço ajudou decerto a que o olhássemos também nós com um olhar mais terno.
É isto o que eu vou dizer ao Mariusz, quando brevemente lhe escrever.
Um pouquinho mais de amor, sempre, de cada vez...

05 setembro 2006

Fernão Capelo Gaivota — Ericeira

Todo este Agosto de Lisboa foi uma insistente provocação à nossa capacidade física de resistir... Cada vez me convenço mais de que nós, portugueses, somos gente do mar, dos nevoeiros do largo, dos ventos a saber a sal, excepção feita, está claro, para as gentes do Alentejo que devem ter guardado genes dos mouros ou para os transmontanos a quem as "TERRAS do DEMO" apetrecharam para os conhecidos "nove meses de inverno,três meses de inferno"...Nós, os outros, vencemos os quilómetros que forem necessários só para fugir, fugir, das securas e ardências mais ou menos violentas que nos sugam a energia (e a alegria), nas cidades.
Então, foi por isso que também eu tive a sorte de, uma bela manhã (sempre as manhãs !) abrir aquela janelinha de uma casa empinada sobre a falésia e ver, lá em baixo, o areal molhado pela maré que já recuara...Fugira de Lisboa para a casa de amigos que, ali, convivem com o mar como se fosse um dos "da casa". E então? Pois, não foi só o areal que me deixou colada à janela àquela hora...Fernão Capelo Gaivota estava lá em baixo !"...the gulls that were not night-flying stood together on the sand, thinking" — Certamente RICHARD BACH viu-as assim, como eu nunca as tinha visto. Eram algumas centenas, todas iguais, cobrindo o areal molhado, todas voltadas de frente para o ventinho norte e tão paradas, tão imóveis que se diria tratar-se de algum ritual ou então, como diz BACH estariam "pensando"... Só levantaram voo,todas em simultâneo, e passada uma larga meia hora. Para onde foram, decerto levavam algum daqueles sonhos do Jonathan Livingston Seagull...