30 agosto 2006

Quando o verão era "TODO" verde


Fui menina, rapariga e senhora num tempo em que a Terra não ardia e os verões eram pujantes e prometedores.E agora,procuro fazer recuar a minha memória até ao dia em que houve um primeiro sinal de uma coisa que afinal podia acontecer, mas na qual nós nunca tinhamos pensado...Sei que, como de costume, as minhas coordenadas eram entre pinhais e o mar. E,ao cair da noite,viemos muitos para a rua, todos os que eramos vizinhos, e faláva
mos uns com os outros, porque a televisão ( já havia televisão ) noticiara um enorme fogo num pinhal...Não! Não era ali, mas com tanto calor, quem sabe?...E cada um, seu pormenor, seu medo ...__A partir dessa noite, dese dia, nunca mais houve verões iguais aos de antes ! Calmos,de dias e noites longuíssimos, cheios de vagares e de pequenos prazeres,de pasmaceira...Instalou-se aquele "poder ser"...
E os confrangimentos dos porquês e das culpas...E as dores das dores daqueles que quase ardem com os seus pobres haveres a fundirem-se em cinza...E o pânico dos animais acossados que, a fugir, levam em si o fogo para mais lugares...E o ir para a frente dos que lá vão para salvar e às vezes não conseguem salvar-se a si próprios...E, e, e...Um sem fim torturante que nos marca os verões que, agora, não são mais pujantes e prometedores. Só mesmo quem atravessar as paisagens negras a perder de vista, com um ou outro tronco retorcido como um pedaço de carvão de pé, pode entender a mágoa desta saudade que é afinal aquilo de que falo hoje...

24 agosto 2006

CARDAL


Lembro-me de que abria a janela de par em par e me entrava pelo quarto dentro o perfume das folhas das figueiras. Era um perfume acre e denso, trazido pela humidade do riacho de águas saltitantes e geladas àquela hora e à beira do qual se alinhavam duas ou três enormes figueiras.
Isto, era ainda lusco-fusco, acinzentado, da manhã que lá vinha.
Mais tarde, eu descia e "ia aos figos"...Já eram outros os cheiros e tudo, na manhã que aquecia, me convidava ou desafiava...
Tudo isto me vem invariavelmente à memória agora, quando, pela manhãsinha, abro as portadas para o terraço e, mais do que pela majestade do lago, lá em baixo, ainda pouco verde, meio lilás e embrumado, me sinto enfeitiçada por aquele perfume vegetal, mal definido, com cambiantes que vão das plantas de jardim aos arvoredos e às ervas bravas...Náo deixo de sorrir ao pensar na luta "ingente" em que se empenham agora os meus amigos contra uma nada pacífica invasão de toupeiras.Isto não é de amigo, mas eu entendo tão bem a volúpia dos animaisinhos a saborearem a frescura e os perfumes destas terras tão mimadas pelos donos.tão macias, tão convidativas !...Das gotículas frescas que o sol vai fazendo brilhar sobre cada planta, parece evolar-se uma humidade límpida e cheirosa e longe, lá muito longe dali, há gente que queima a lenha do primeiro forno, do primeiro pão do dia...
Já não tenho há muito aquela idade de"ir aos figos", mas fico-me a "saborear" todos estes desafios do dia que começa e eu tenho a Graça de poder viver...

22 agosto 2006

Revisitar o passado

Vou de encontro às paredes
como um cego
que viu e sabe que era ali...
Eu conheço a cidade !
Vivi cá !...
Contornava-se a Praça
e indo em frente...
...não!...Acho que não era por aqui...
Talvez na outra esquina. mais para lá...
Mas era a casa grande,logo em frente...
...e o Mosteiro...
Não me parece estarem como dantes...
E o Convento?
E o rio? Que eu sabia de cor
nas curvas e corredores de cada um?...
Sou como um cego:
Estendo a minha mão
e não encontro o sítio de apoiar-me
que eu julgava inserido na recordação
e possuia como certo...

Tudo agora está aberto
mas é da multidão...

14 agosto 2006

Férias

Um telefonema, à noite : Vamos buscá-la àmanhã...
Estes são aqueles amigos a quem Jesus nada teria que ensinar, quando lhes lavasse os pés!
Então, após uma correria de preparar os necessários, lá vou partilhar todo aquele conforto de franca convivência, sem ideias preconcebidas, e cheio de mostras de carinho... e a casa, e a paisagem, e os longos serões a contar as estrelas, e o espelho das águas, lá ao fundo...
Quando voltar, falarei das madrugadas enroladas na bruma que sobe da água e do friosinho dessa hora, só dessa hora... E talvez das longas conversas em redor da mesa, depois do jantar, sem pressas...

11 agosto 2006

Alcochete

Alcochete

Aconteceu-me uma vez uma manhã, manhãzinha, quase outonal, mas ainda morna, a permitir sentir todos os cheiros, ouvir todos os sons de vários tons, debruçando-me longamente sobre a margem quase deserta de um Alcochete ainda meio adormecido.
Era um mundo... De pureza, de “ab initio”, de paz !

Ontem, pleno Agosto, sol de fundir metais, a mesma margem, mas abeira-se o meio-dia...O mesmo Tejo ? Não. Está inchado, pela maré... E pela gente ! O povo tem calor, muito calor...e rebenta nas roupas reduzidas, nas dilatadas curvas indecentes que a cerveja gelada ajudou a impar... Rebola-se na areia meia seca e entra pela
Água como se fosse sua, a espadanar...
Não há aves marinhas pelo ar, nem a água murmura como da outra vez...Nem Lisboa tem bruma...E há apenas barulho a vozear ..

Pensei em ORTEGA Y GASSET...
O Homem e a sua circunstância.

06 agosto 2006

SOLIDÃO

Sofrer ou rir com os outros não chega nunca a projectar-me para lá da solidão . É um acto de vontade e às vezes é até o decalque de situações já vividas, aderência ocasional, fortuita, mas sempre comprovadamente impotente para me fazer sair abertamente de mim para o"outro", ou para trazer o"outro", em toda a sua verdade, até mim... Houve tempo ( mesmo "esse"tempo ) em que me julgava acompanhada, mas sei hoje que isso era uma ilusão, por pura imaturidade.
Compreendi depois que era demasiado ambicioso o crer-me em total sintonia e sincronia com as misteriosas cidadelas de silêncio de cada um dos "outros" e fui-me apercebendo dos imensos desfasamentos que iam construindo a minha solidão. Por acaso, vi uma vez que OCTÁVIO PAZ fala do"labirinto da solidão" como uma das causas primeiras da ausência de solidariedade.
Labirinto é de facto a palavra certa para traduzir esta espiral, com ilusórias possibilidades de saídas, em que nos vamos enrolando de tal maneira que já nem sabemos muito bem se sim ou não temos vontade de sair dela.
É que,às tantas, o estar-se ou o ser-se só passa a ser um pouco viciante... e cómodo !...

01 agosto 2006

AGOSTO E MIGUEL TORGA

Neste Agosto a começar e que durante toda a minha vida ( mesmo ainda menininha) tem sido sempre o condensado de todas as espécies de solidões, lembrei-me do meu querido TORGA que,por tantas vezes me pareceu "roubar-me" os sentimentos ...e as palavras !


Aqui,neste país e nesta hora,
Aqui, junto dos meus
Mortos ou vivos,
Aqui, de pés atados,
Mas livre, como os balões cativos
que pairam...ancorados.