30 agosto 2009

Lavar as mãos

Agora que, por causa da prevenção da Gripe A , somos constante e insistentemente lembrados de que é preciso lavar as mãos a cada momento, surge-nos, no Evangelho deste domingo, uma pequena altercação entre Jesus e os Fariseus por causa da lavagem das mãos que estes verificaram não ser prática dos discípulos, quando para eles era obrigatória, antes das refeições. Ora, sabendo Jesus que essa prática, como muitas outras, era, da parte dos Fariseus ,uma mera atitude exterior que não correspondia a nada de profundo, a nenhum ritual sequer, respondeu-lhes, na sua forma incisiva como sabia fazer, quando era preciso, que é no interior do Homem que existem todas as formas de impureza que seria bom lavar . Claro que estas impurezas pertencem a todo um outro registo que nada tem a ver com o asseio e a desinfecção que um procedimento cívico exige e nós percebemos que, para sermos puros de coração, não é necessária a exibição farisaica e antes a ela devemos voltar as costas. Lembremos outro local das escrituras que nos recomenda que nos resguardemos para rezar, sem dar nas vistas, e ainda outro que nos diz que uma mão não precisa de saber aquilo que a outra dá..Que não se descuidem os cuidados contra a pandemia que aflige o mundo ! Trata-se de coisas muito outras...

27 agosto 2009

As modernizações

No último domigo, veio buscar-me uma amiga para irmos até à beira-rio, aproveitar um não excessivo calor e alegrar a vista, porque o dia estava lindo e pensámos que o Tejo também devia estar, o que se verificou.Fomos mesmo naquele cálculo de horas em que apanhássemos o fim de tarde e o quase início da noite, tão repousante. Percebe-se, quanto se pode conversar com um belo gelado à frente, numa hora e num ambiente assim. O relato do que se passou em férias, não podia faltar. Somos amigas de muitos anos, de muita coisa vivida por uma e sofrida pela outra, a par com ela. Mas vieram mais à tona as minhas pequenas viagens nos pontos do país que ela e eu já conhecemos há anos e no como tudo está mudado agora, para mais, para maior,talvez para melhor... Daí surgiu a sugestão de irmos, a partir de ali mesmo, conhecer a Lisboa nova. Na linha do à beira-Tejo, foi um espanto para mim. Desde Algés a Xabregas, o que eu vi de novo, de mudado, de diferente ! Muitas obras ainda vivas mas a já deixarem perceber o que ali vem... E o que está pronto é bonito.
Voltámos para casa, já escurecia. E eu tive um serão para pôr tudo, tudo a direito na minha cabeça.É que,das férias, eu já viera a pensar até que ponto é realmente bom voltar aos lugares que conheceramos algumas dezenas de anos antes. Fica-nos uma sensação de estranheza muito especial, porque a nossa memória, na qual depositávamos toda a confiança, fica subitamente anulada, soterrada, como se um desmoronamento tivesse lançado um milhão de pedras (!) sobre algo de que ainda tentamos vislumbrar umas pontas, umas orlas emergentes. "Isto" já lá não está, "aquilo" mudou para outras instalações, "o outro" mudou de sítio, "agora já não se passa por aí",ou fechou,abriu , nasceu, diminuiu...enfim ,muito pouco está agora como a minha memória fixara . Então? Ficamos como um baú vazio ou vamos agarrar-nos à "segurança" das recordações ? Quando é que deixamos de ser "antigos" e ficamos apenas "velhos" como aquele album de recordações que alguém um dia deitará fora ?

23 agosto 2009

Vigésimo primeiro domingo

Não há dúvida ! Jesus terá dito que não vinha para curar os sãos, mas para salvar os doentes, por isso, àqueles que não quiseram entender a sua parábola sobre a verdadeira comida e lhe voltaram costas, ele deixou-os ir, não estariam necessitados de esclarecer-se, mas aos que quiseram ficar com ele ( para quem iremos nós? ) explicou que o espírito é que dá a vida, a carne não vale nada sem o espírito. E estes. seguiram-no.

Era uma sociedade em formação. Um grupo de pessoas que conseguira fugir do Egipto e ainda procurava estabilizar emoções, mesmo sem disso se aperceber, criar elos de vários géneros, encontrar-se, constituir núcleos afectivos, provavelmente adorar outros deuses...
É por isso que a carta de São Paulo lida hoje e que trata de aconselhar os Efésios quanto às relações marido-mulher, nos parece a nós, homens e mulheres do seculo XXI, exageradanente preconceituosa, mas talvez não fosse demasiado severa para aqueles que ainda desconheciam a reciprocidade do amor e do respeito . Creio que foi neste espírito que se achou por bem incluir esta carta na liturgia de hoje. Chamar a atenção para a verdadeira união exemplar, base de uma sociedade em que espírito e carne têm os seus lugares que certamente os foragidos do Egipto não saberiam ainda distinguir .

21 agosto 2009

Alexandre O'Neill e Jorge de Sena

Hoje é dia de lembrar ALEXANDRE O'NEILL . Conheci-o, como dizia Bocage, magro, de olhos azuis( ?), carão moreno, um homem inteligentíssimo, de sorriso um pouco enviezado, espirituosamente trocista e às vezes tão cáustico quanto lúcido.Mas,de educação esmeradíssima, era capaz das maiores delicadezas de coração, embora gostasse de arvorar-se em irreverente surrealista ( há mar e mar, há ir e voltar); enquanto produzia se uma gaivota viesse trazer-me os céus de Lisboa...letra de fado inspirada num sentimento muito carinhoso, era duro a dizer por exemplo mais podre que um sentimento que pudesse apodrecer ao sol - o tempo de ficar só...
Ou perfilados de medo...irónicos fantasmas à procura do que não fomos, do que não seremos. O'Neill era "uma pessoa". De corpo inteiro e de quem se gostava.

É espantoso! Quando estava aqui a lembrar alguém cuja memória se liga ,para mim , a uma época, cai-me nas mãos o jornal de hoje a trazer-me notícia de alguém que trago no meu novelo de saudades muito perto de O'Neill. Alguém que escreveu isto: Não hei-de morrer sem saber
qual acor da liberdade
Eu não hei-de senão ser
desta Terra onde nasci.
Embora ao mundo pertença
e sempre a verdade vença
qual será ser livre aqui.
Não hei-de morrer sem saber.
Trocaram tudo em maldade
É quase um crime viver.
mas embora escondam tudo
e me queiram cego e mudo,
não hei-de morrer sem saber
qual a cor da liberdade...

.


Trata-se de Jorge de Sena. A notícia diz que o seu corpo vem finalmente para Lisboa, depois de incontáveis démarches da sua incansável mulher, mãe dos seus nove filhos, que nunca se conformou com toda a incompreensão de que foi vítima o grande poeta, romancista, historiador e professor que se viu levado a radicar-se nos Estados Unidos onde leccionou e dirigiu departamentos na Universidade da Califórnia, vindo a morrer lá, em 1978 . Desde essa data, estava enterrado no cemitério da cidade onde viveu- Santa Bárbara, e, ao conseguir-se agora que o que pode restar do seu corpo venha encontrar por fim a "terra" da sua raiz, podemos pensar que algures ele poderá enfim saber qual a cor da liberdade.
Não é estranhíssimo, vário e tonificante o despenhar da cascata das recordações ?


18 agosto 2009

A Viagem

Quando ainda se não é Reformado e quando os empenamentos do corpo ainda não têm oitenta anos, viaja-se bastante e quase sempre férias são sinónimo de viagem.E a maior parte das vezes a viagem é pelo estrangeiro. Viagem pelo prazer de conhecer, viagem pelo gosto da aventura, viagem...porque,já agora, não é caro e todos vão, viagem porque "isto aqui" é uma pepineira, viagem porque dá imenso status no regresso,para contar aos outros que ou não vão ou também foram...Há ainda um outro pretexto ao qual a existência da União Europeia veio roubar muito da sua sedução :as compras.Ir algures lá fora para comprar alguma coisa porque cá não se encontra nada de jeito,é ainda uma boa razão porque afinal a União é apenas europeia...


Parando por aqui esta acidez toda do meu pretenso humor crítico, o que eu mais quero é fazer o louvor máximo ao poquê da alegria que me é dada quando amigos me levam a viajar pelo nosso país que está a ficar cada vez mais bonito, graças a obras de restauro e obras novas, graças a mimos de bom gosto em urbanização,graças a novas noções de urbanismo, civismo e cidadania.


Percebe-se que tem havido novas noções da parte das autarquias aplicadas não só à visão turística, mas muito a levar os habitantes a amar a sua terra, sentindo-se bem nela. Visitei e passeei em duas vilas: Vila de Rei e Vila Nova de Ourém. Que mimosas, cheias de avenidas e pracinhas floridas, arborizadas, onde as casas são vivendas rodeadas de jardins e muito bem cuidadas já sem aquele cunho de que, dantes, nos ríamos chamando-lhes maisons, e onde há pequenos cafés com esplanadas coloridas e quiosques a vender jornais. Não sei porquê ,alguns edifícios de andares com alturas proporcionadas às cotas envolventes,ficam bem encaixados ali e não encontramos sobresaltos ambientais, o que me parece extremamente tranquilizante para quem ali vive.


Por outro lado,descobri cidades das quais conhecera há muitos, muitos anos, os locais, posso dizer agora, os embriões. Torres Novas, mas principalmente, o Entroncamento ! Como é que, de um entroncamento de linhas férreas com a sua gare respectiva, mas sem mais nada que se pudesse considerar, em redor, dos anos 40 do século XX, brotou uma grande cidade, de grandes prédios, de muitas ruas, jardins e avenidas e lojas e restaurantes e cafés... e todas as características de uma cidade dormitório de Lisboa, graças à frequência de comboios cada vez maior , com horários úteis e rapidez desejável ?


Entra certamente na quase magia de tudo isto uma realidade dos nossos dias que me não encanta por muitíssimas razões mas com a qual parece termos mesmo que nos habituar : os grandes hipermercados internacionais ou nacionais que vieram instalar-se espampanantemente nestas localidades, antes deles apenas habituadas a escassas lojinhas de família onde o negócio, a conversa e bom entendimento iam mantendo a satisfação da clientela. Pelo que vi, o próprio hipermercado cria instalações para o seu pessoal, por vezes autênticos bairros, e assim se foram espraiando casas e se formaram núcleos urbanos inerentes àquela potente força comercial. E lá estão óptimas cidades com grande vitalidade, jovens, activas, modernas...Mas também pude aperceber-me de que a abertura aos bons e completos novos centros de estudo contribuiu imenso para engrandecer as velhas cidades onde se fixaram. Em Tomar há um enorme complexo de nível universitário como que a fazer frente aos monstros comerciais que lhe são vizinhos. É um Instituto Politécnico de grandes dimensões que me fez recordar o antiquíssimo e muito bom Colégio NunÁlvares de nívelsecundário e para onde iam estudar tantos rapazes que hoje são alguém por este país.Tomar está uma grande cidade e alindou-se com novas pontes, novos acessos junto às calmíssimas curvas do Nabão, e restauros de muito bom gosto. A igreja de Santa Maria dos Olivais tanto tempo quase soterrada e meio desmoronada, está agora desafrontada,elegante e à noite muito bem iluminada. No Convento de Cristo então os arranjos chegaram mesmo até à repintura da Charola! E a saída do hospital militar ali antigamente instalado permitiu a abertura de espaços agora usados unicamente com fins culturais e museológicos . Abriram-se esplanadas e restaurantes nas varandas do convento abertas sobre a mata particularmente perfumada. Houve o cuidado de promover espectáculos a aproveitar tanto cenário. E com tudo isto se aproximou tamanha antiguidade e tradição da modernidade de tanta gente que por ali vai.
Esta foi a minha enorme Viagem de férias. Há ainda um outro viajar que fiz e que cabe noutro contexto. Da ALMA.
Talvez porque lo que pasó no fué, está siendo como diz Octávio Paz.

16 agosto 2009

Vigésimo domingo comum

Por coincidência, nos últimos três domingos, não tendo comigo o meu computador e tendo tido oportunidade de assistir a missas diversificadas, não registei, como tanta vez o faço, as considerações que as Leituras de cada liturgia me sugerem. Hoje, retomada a rotina, e justamente vindo "apanhar" o último dos quatro evangelhos de S.João que são introduzidos na sequência dos de S.Marcos próprios deste ano litúrgico, deixei-me maravilhar com a capacidade metafórica do discurso de Jesus, na procura de fazer compreender ao povo inculto e primário coisas que só uma grande elevação espiritual, uma real propensão para a elevação dos pensamentos, poderia fazer perceber.Falar em quem comer a minha carne e beber o meu sangue é algo de perigoso, por susceptível de criar a maior das perplexidades nas pessoas simples.E hoje como há dois mil anos.Mas hoje o pendor para o útil e consumível que é quase regra geral, talvez torne mais difícil a compreensão da metáfora do que no tempo de Jesus, em que a linguagem era mais florida, mesmo entre as tais pessoas simples . A carne e o sangue em que se tornou a palavra de Deus, no corpo de Jesus ( no princípio era o Verbo) estão tão longe dos seus reais significados para nós, homens do século XXI, quanto a irreflexão e a insensatês dos Efésios os poderia levar se não ouvissem a chamada de atenção de São Paulo, ele que melhor que ninguém conhecia a vontade de Deus.
Nós, aqueles que nos habituámos a estudar as palavras, no dito e no escrito, que grande exercício por vezes nos dá a leitura dos textos litúrgicos e como nos apercebemos de quanto é sério o filtro da palavra para a Fé !

13 agosto 2009

Regresso de férias

Que prazer ter um livro para ler...e lê-lo ( lá estou eu a desacordar com o Pessoa) !
Que prazer ter um livro para escrever ...e escrevê-lo ! Bem, isto são projecções de férias. Andei por lá, sem computador. Ali, caderno de capa dura e a minha Parker amiga ! E aquilo é que foi escrever ! Dir-se-ia que tinha fome de papel...
Mas não deixarei de dizer que também senti a falta destas embirrações que às vezes tenho que aturar à irritantesinha da minha complementar tecnológica...Tive ocasião de ver quanto se sofre por esse país fora por causa de não coberturas de certas regiões pelos necessários sinais que permitem a comunicação dos humanos que usam a net... E como então me senti feliz pelo meu papel e lápis ! Feliz e filósofa... Porque as férias acabam sempre por me atirar para as etimológicas feiras .E são verdadeiras feiras/mostras de gentes, terras, costumes, faunas, floras, rios e rias, lagos e mares, tudo muito sui generis, para boas confrontações e aprendizagens minhas. Daí a escrita. Muitas notas úteis ou simplesmente a comprovar mais tarde, algumas já por si sós comprovativas. E depois há ainda aquele balão que o coração sopra a encher o nosso peito, em certas manhãs de criação do mundo, e que nos faz acreditar em tudo da felicidade, desde o termo-la, até o sermos ainda capazes de acrescentá-la...Porque vai haver mais manhãs de criação do mundo,certamente.
È assim que se volta diferente do que se foi...
É assim que, por agora, só me apetece que os meus braços ainda saibam o jeito de abraçar um Mundo, o MUNDO...