26 outubro 2007

Eugénio de Andrade:
Correr do tempo ou só rumor do frio
onde o amor se perde e a razão de amar;
– surdo, subterrâneo e impiedoso rio ,
para onde vais sem eu poder ficar ?

Miguel Torga:



1– Remendo o coração, como a andorinha
remenda o ninho aonde foi feliz.
Artes que o instinto sabe ou adivinha...
Mas fico a olhar depois a cicatriz.

2– Na sina que me foi lida,
este dia é sempre assim:
Sol na paisagem da vida,
e sombra dentro de mim.

23 outubro 2007

Fait-divers

Às vezes o dia a dia da vida numa grande cidade traz- nos os chamados faits-divers que nem sempre são trágicos na sua superfície visível e que até nos podem fazer sorrir, por muito desencantados que tenhamos saído nesse dia. Este, que me foi relatado "na hora", até permite construir uma pequena fábula dos tumultuosos tempos que estamos vivendo na cidade.
Sete e meia da manhã, lusco-fusco, e um autocarro cheio com as pessoas de profissões "menores", que são as que se movimentam de autocarro a horas destas. Num dos bancos perto da porta senta-se uma jovem vistosa de roupas , adornos e penteados .Há agora uma espécie de tranças feitas de lã, fininhas e coloridas, que as raparigas introduzem nos penteados como se fossem extensões e as enfeitam, caindo sobre um ou os dois ombros ,ligeiramente mais longas do que o cabelo. Pois a nossa personagem tinha também dessas trancinhas. O autocarro pára e,correndo como loucos, dos bancos lá de trás, saltam dois rapazes para a porta, um deles atira as mãos aos ouros da rapariguinha, ela leva as mãos ao pescoço e grita ... e eles já correm, voando rápido, rua fora...Tudo cronometrado a fracções de segundo...No meio do borborinho dentro do autocarro, " ai o ouro!" "e para que é que trazem aquilo tudo ao pescoço?" "é p'ra aprenderem..." ,ouve-se meio sumida a voz da jovem beleza assaltada: "levaram-me a minha rica trança !"... MUCH A DO FOR NOTHING!!!

20 outubro 2007

Ortega y Gasset-de La Rebelion de las Masas

HABLAR es una operación mucho más ilusoria de lo que suele creerse, por supuesto, como casi todo lo que el hombre hace. Definimos el lenguage como el medio que nos sirve para manifestar nuestros pensamientos... ... Lo de menos es que el lenguage sirve también para ocultar nuestros pensamientos, para mentir. La mentira seria impossible si el hablar primário y normal no fuese sincero. La moneda falsa circula sostenida por la moneda sana. A postre, el engaño resulta ser un humilde parásito de la ingenuidad... ... Sendo al hombre impossible entenderse con sus semejantes, estando condenado a radical soledad, se extende en esfuerzos para llegar al prójimo. De estos esfuerzos es el lenguage quien consigue a veces declarar con mayor aproximación algunas de las cosas que nos pasan dentro. Nada más.

Cuando el hombre se pone a hablar, lo hace porque cree que va a poder decir cuanto piensa. Pues bien: esto es lo ilusorio. El lenguage no da para tanto. Dice poco más o menos una parte de lo que pensamos y pone una valla infranqueable a la transfusion del resto. Sirve bastante bien para enunciados y pruebas matematicas; ya al hablar de física empieza a hacerse equívoco y insuficiente. Pero conforme la conversación se ocupa de temas más importantes que ésos, más humanos, más reales, va aumentando su imprecision, .su torpeza y confusionismo. Dociles al prejuicio inveterado de que hablando nos entendiemos, decimos y escuchamos tan de buena fe, que acabamos muchas veces por malentendernos mucho más que si, mudos, procurásemos adivinarnos... ...En todo decir hay un emisor y un receptor, los cuales no son indiferentes al significado de las palabras y esto varia cuando aquelles varian ( duo si idem dicunt non est idem)... ... Se ha abusado de la palabra y por eso ha caído en desprestígio.... ...hablar a todo el mundo y a nadie... ...yo detesto...y sufro cuando no sé muy concretamente a quién hablo...

18 outubro 2007

A Palavra

Fazer um poema
não é só escrevê-lo
nem senti-lo.
Não é aquilo que pensam
de dizer-se o que nos vai por dentro,
de guardar no papel
um segredo
se não temos coragem de guardá-lo.

Nem tão pouco é vontade de exibir-se
na esperança de que alguém,
lendo-o, diga sentir-se
como nosso irmão,
tal a capacidade de comunicação !


Não ! Fazer um poema
pode ser mea culpa,
às vezes convulsão de sentimentos
entre alegrias e penas
e alguns arrependimentos...


Mas sempre, sim,principalmente,
uma imensa volúpia
de agarrar as palavras
e domá-las,
desdobrá-las
recriá-las,
pô-las contra a parede
ali , à prova,
de terem, sim ou não,
força bastante,
música,
mansidão,
rigor ou colorido
para dizerem, só e justamente,
aquilo que é de nós parte integrante,
sem probabilidades
de outro sentido...



Mística e transcendente, à palavra
é a mão que obedece docilmente
e o gesto que desliza no papel...


e ,se nasce o poema,
é misteriosamente,
e misteriosamente...

14 outubro 2007

Chorar em Fátima

Não é a mesma lágrima
de sempre !
Não é o mesmo sal,
a espessura, e o gosto...
Brota silenciosa,
devagar,
e começa a escorrer
por dentro da emoção,
a inundar-nos não o peito : a alma !

Não é a mesma lágrima.
isso não !
É um grito calado
a morrer-nos na boca...
E o amargo sabor
das dores do Mundo, todas...
Ali e só ali é que entendemos:
somos mesmo pequenos
e sem espaço
para um pequeno grão
sequer
de santidade...







!

09 outubro 2007

CARDAL _ a ponte

É sempre bom a mão amiga que se nos estende. Às vezes precisamos dela deseperadamente .
Nisto do dar e precisar, diz-se que quem precisa, precisa sempre e quem dá, não pode dar sempre. Se esta tão sábia sentença é verdadeira em termos de bens materiais,já não é tanto assim em termos da amizade, com o seu caudal de bens inerentes ( previsão,subtileza, desprendimento, paciência, aceitação, etc.,etc.) Sei, por experiência própria, que a mão amiga, a amiga mesmo, está sempre lá, onde eu a sei.Não pode,é claro, adivinhar as minhas situações de carência-desespero, mas algumas vezes houve já em que as previu e se me estendeu tão oportunamente que eu pensei que havia ali "feitiço"...
Estamos pois num aproveitamento de três dias de férias numa daquelas pontes que reis e santos tanta vez oferecem ao povo quando a data da sua celebração vai cair a jeito de desdobrar os dias chamados inúteis da semana. Desta vez, por acaso, até se celebrava o desaparecimento dos reis, precedido de acções nada dignas de se celebrar. Bem; mas foi feriado bom, brilhante, morno, sem vento, lindo ! E a casa da Teresa e do João estava lá, de braços abertos, à nossa espera, assim uma espécie de ilha de bem-estar e paz no meio de um mundo ruidoso e agressivo de que,na ocasião, estávamos cansados.Janelas abertas sobre o vale em cuja concha cintila o límpido azul das águas da albufeira fragmentada em vários braços reentrantes , envolvência de verdes em plena pujança, mesmo sendo outono, pios, grasnados, latidos longínquos, a enrolarem-se no marulho das ramagens,descida lenta do sol a desdobrar-se em incontáveis tons de rosa e lilás...e, da nossa parte, uma tão premente vontade de não mexer nem as pálpebras, não vá quebrar-se o encanto ! Uma premente necessidade de agradecer a Deus esta oferta inesperada de um mundo límpido que podemos guardar na alma...
Esperar silenciosamente
pelas coisas
sossegadamente...
Sabe de outra maneira
e é diferente
aquele acontecer
que não nos chega
atabalhoadamente...
E sentir que afinal algo espera por nós indefinidamente, indefinidamente...

08 outubro 2007

Dia de S. Francisco de Assis

IL POVERELLO !!!

"Onde houver ódio, que eu leve o AMOR
Onde houver ofensa, que eu leve o PERDÃO
Onde houver discórdia, que eu leve a UNIÃO
Onde houver dúvida, que eu leve a
Onde houver erro, que eu leve a VERDADE
Onde houver desespero, que eu leve a ESPERANÇA
Onde houver tristeza, que eu leve a ALEGRIA
Onde houver trevas, que eu leve a LUZ ."

"Fazei, Senhor, que eu procure mais consolar do que ser consolado, compreender do que ser compreendido, amar do que ser amado!"

01 outubro 2007

O Dia da Música

De la musique avant toute chose...É celebrado hoje o DIA daMÚSICA e logo no primeiro dia do mês no qual eu encontro todas as conexões com suavidade,doçura,apaziguamento, serenidade !
Nada daqueles entorpecimentos da geração que VERLAINE marcou com esta sua lei primeira da arte poética, mas um "estar bem" no mundo agora malgré tout... Parece-me de total inutilidade explicar aqui qual é a minha música uma vez que a incluo neste panorama do meu Outubro. Tive a sorte de me terem oferecido agora dois CDs de géneros bem distintos mas perfeitamente enquadráveis nesta tessitura das minhas horas de silêncios vitais : 14 valsas de Chopin interpretadas pela Mª João Pires e a Sinfonia nº 2 de Rachmaninov numa interpretação do maestro Temirkanov que faz com a Royal Philharmonic Orchestra absolutamente um festival. Já quase tanto, direi, como o Karajan quando pegava fosse em que orquestra fosse. Não se admirará ninguém de que uma pessoa com a minha idade não se entusiasme com os be- bop e todas as qualidades de pop com cujos barulhos a gente nova se embala, ou antes, se sacode. É a energia estuante que encerram nos seus corpos que precisa daquela válvula de escape . Por isso também hoje devem os jovens festejar a sua música. Lá chegará um dia em que também festejarão a minha...E como me irão então compreender!!!