21 janeiro 2008

Gregoriano

Por razões realmente aleatórias e em contraponto com o "monte" de livros de novos autores ou de novidades lançadas por autores conhecidos, que juntei para ler, a partir do Natal ou talvez mesmo a partir do dia dos meus anos, esta semana reli JORGE de SENA.Comecei por ler um dos seus Prefácios, onde,desiludido e zangado mesmo,se insurge contra a injusta forma de se tratarem os escritores "sem nome" ou sem "padrinhos" na nossa terra e depois derivei para a poesia que considero um poderosíssimo testemunho da época histórica que teceu e condicionou a vida deste intelectual-sentimental que nunca conseguiu sentir,enquanto exilado, que no seu país havia também quem o amasse.E fui encontrar-me com a sua ARTE DE MÚSICA onde,mesmo usando o seu habitual vocabulário que eu tenho tido sempre vontade de chamar musculado, ele descobre a forma de transmitir-nos as vibrações mais íntimas que a grande música lhe provoca.Por exemplo, sob a inspiração da Cathédrale engloutie de Debussy, diz: Foi como se as águas se me abrissem para ouvir os sinos, os cânticos e o eco das abóbadas e ver as altas torres sobre que as ondas se espumavam tranquilas. Nas naves povoadas de limos e de anémonas, vi que perpassavam almas penadas, como as do Marão e que eu temia em todos os estalidos e cantos escuros da casa. E de uma peça de Bach : Numa estridência uma alegria vibra?Ou treme uma amargura asfixiante? E ,nestes graves, que ressoa ?a dor ou uma serena e firme complacência ignota?
Leio nestes e noutros "encontros" do poeta a influência que terá tido na sua personalidade o gosto que tinha a sua Mãe em que ele estudasse música, enquanto o Pai queria fazer dele um oficial de Marinha...Que se viu compelido a ser a excelência como Mestre da Literatura do seu país, nos Brasis e nas Américas, sem nunca deixar de testemunhar com vigor o quanto viveu, talvez já "para memória futura", o que até nem seria de estranhar,inclusivamente num homem que foi Pai de nove filhos... E nestas e noutras cogitações me encontro no sábado, na minha Paróquia, com um grupo de senhores espanhois que ao seu grupo deram o nome de IN COENA DOMINI e que, como devem cantar os anjos no Paraíso, nos ofereceram a panorâmica paz de um canto Gregoriano antiquíssimo que ficou a "envolver" todo o nosso fim-de-semana...Música, Senhor, afinal como chegas por ela a tantos de nós e das maneiras mais inesperadas !

13 janeiro 2008

Sinfonia do Novo Mundo

Como a experiência de ir vivendo nos vai revelando a multifacetada criatura que é o HOMEM ! Quando estamos convencidos de que já não vai podendo haver muito mais coisas que, vindas dele, nos possam surpreender, bum! aí está uma nova revelação... Não estava habituada (creio que nenhum português estava) a que os governos "reconsiderassem" sobre posições tomadas com grande empenhamento e muita propaganda... E sempre tive opinião sobre aquele "bombardeamento" com a inevitabilidade da construção de um novo aeroporto na OTA. Terei que me colocar, em data de há precisamente 60 anos atrás. Havia, nesse tempo, uma faceta da Segurança Social que proporcionava o que se chamava Casas de Renda Limitada as quais, pertencendo a empresas, se destinavam a serem arrendadas aos funcionários dessas mesmas empresas seleccionados segundo critérios iguais em todas elas. Claro que eram ponderados salários, idades, estado civil, número de filhos e outras coisas. A partir de certa data, constituiu-se uma Federação dos proprietários destas casas e o "sorteio" dos inquilinos passou a ser abrangente, havendo uma lista única de candidatos inscritos, não mais divididos por profissões ou empresas empregadoras. E assim foi atribuida uma casa no bairro de Alvalade ao casal Beja. Perto, pertíssimo do Aeroporto de Lisboa, do qual o meu querido Sogro era director. Então, todos os amigos e familiares nos diziam : — Como é que vocês aceitam ir viver para perto daquele barulho permanente de aviões mesmo por cima da cabeça ? — E o meu marido e o meu Sogro sorriam e contrapunham: — É por pouco tempo. Dentro de mais ano ,menos ano, já se sabe que o Aeroporto vai ser fora da cidade. — Imagine-se que se pensava então em Rio Frio, é verdade !

Contado este "pequeno" pormenor e tendo o meu Sogro sido instrutor de jovens pilotos militares numa Escola de Aviação que existiu em Vila Nova da Raínha(a dois passos da Ota cujas boas e más qualidades ele conhecia de cor,) isto em anos vinte,do século vinte, qualquer pessoa pode calcular o espírito com que eu suportei toda a "excitação" que se gerou em redor da escolha,AGORA, da Ota, por todas as razões e mais uma, como é costume dizer-se... E eis senão quando, o Governo decide não ir para a Ota. E vai para onde ? Logo para ALCOCHETE, uma terra que me encanta,artística, histórica e paisagísticamente falando. Duas admirações de uma só vez ! O Governo ouviu os "barulhos" em seu redor, o Governo decide uma coisa bonita. Sei muito bem que o local onde se fará o aeroporto não é, não poderia ser na localidade chamada Alcochete, mas vai ocupar uma região com carisma e a beleza envolvente vai certamente ter o seu peso.Saudades do Aeroporto barulhento, odorífero e "condenado" há sessenta anos, claro que as vou ter. Quanta recordação, quanta história, quanta VIDA !!! Mas sei que ,enquanto viver, a construção do novo vai permitir-me a companhia do velho.

E só depois, bem depois, haverá alguém a lembrar que, de ALCOCHETE, eu pensava assim:

Há um vazio extenso e aromático
feito de negra vasa
e areia entretecida em limos e algas escuras
e outras daquele verde subaquático
que adquire cambiantes com as marés...
Há um murmúrio puro,de águas rasas,
a embalar conchinhas roçagantes
como sedas carísssimas e ondulantes...
E há a gaivota súbita, a rasgar,
em movimento e som, a paz do amanhecer !
Grito adunco a que respondem mais,
e, em pouco tempo, é de asas
o céu destes sapais...
Longe,lá mais ao fundo,
onde as sombras se acolhem aos pinhais,
espraiam as asas róseas os flamingos
num tremor de pluminhas adejantes...
E é de lá que, rútilo, vem vindo
o clarão da manhã de cada dia...
Lisboa ainda é margem de cinza e esmalte,
envolta em brumas densas de maresia...

Primeiras horas de um fluir fecundo,
primeiros sons a sugerir Dvorak,
e este Tejo todo é um Novo Mundo !...

03 janeiro 2008

Ano Novo

É de prever que, depois de um Natal tão especial, a minha impreparação para festejar a chegada de um Ano Novo ou sequer entusiasmar-me com o fim de um tão" sem graça" Ano Velho, fosse total. E assim, aí estive eu a fazer o que outros faziam, a dizer o que outros diziam, para não "destoar", para ganhar o direito a permanecer integrada...Como somos curiosos animais,peças, de um sempre colectivo !!! Lembrei-me então de ir visitar o meu blog do início do Ano que agora acabou.Lá está um poeminha que escrevi há cinquenta anos. E não é que,lendo bem,lendo bem,afinal ainda me apeteceu tê-lo escrito agora outra vez ? Oh! Que reservas insondáveis permite o Senhor Deus nas nossas almas !!!...

02 janeiro 2008

NATAL 2007

"Num banco de jardim, uma velhinha..." Assim começa um fado que, na minha indexação de tipos de fado, eu incluo nos trágicos, representativos de um certo sentimento português que puxa à lágrima lamecha pelos sofredores passivos que em Portugal fenecem nos bancos dos jardins, corroídos pela dor, pelo abandono, pela saudade, por muito mais coisas espirituais que materiais... Não consigo lembrar-me de qual o fadista que o cantava doloridamente, mas sei que era um homem e que rondava por todo o fado uma insinuação de indiferença filial condicionante da solidão e deliquescência da velhinha...Há muitíssimo tempo que não oiço este drama e, subitamente, reanima-se este quadro na minha memória.Porque( tudo tem os seus porquês) ,depois de uma queda aparentemente de pouca importância, o meu corpo e depois o meu espírito, entraram num processo de desencorajamento para a dor, de cansaço para a luta, de desinvestimento na esperança..."no banco do jardim, uma velhinha..."
E foi então que surgiram os AMIGOS. Caloroso, reconfortante, luminoso, envolvente, foi-me proporcionado um "banco de jardim" que me colocou a galáxias de distância da velhinha do fado. Sendo época de Natal, como para um presépio de ESPERANÇA, eles trouxeram-me incenso e mirra mais do que simbólicos: vivos e actuantes na reabilitação das minhas forças ! Com eles e graças a eles tive umas verdadeiras FESTAS de Natal ! Todo o calor do mundo no reavivar de brasas esmorecidas...Cada grande toro de lenha de azinho que punhamos na lareira, cada nova vela que se acendia, cada nova luminária com que se envolvia um novo angulo da casa, era mais um sopro de bem-estar pelo qual eu não podia ter esperado... E houve Missa do Galo( há quantos anos ?), numa igreja envolta em nevoeiro, e houve ceia quentinha, no regresso da missa, e houve prendas...A que me coube é mesmo como o brinquedo, tradução tecnológica daquele que me cabia, era eu menina. Quase outra vez menina, pela força do carinho...
Deixaram de me contentar uns magros seis caracteres para escrever a palavra AMIGOS... E onde irei encontrar as letras suficientes para escrever GRATIDÃO ?