A minha ligação familiar com Joaquim Guilherme Gomes Coelho(Júlio Dinis) nunca me fez experimentar uma proximidade tão afectiva como a que sempre me prendeu a Miguel Torga a quem apenas me ligaram umas dúzias de palavras escritas e trocadas numa sempre cerimoniosa cordialidade.Foi ele quem indicou a meu PAI,numa conversa de amigos comuns dos dois, em COIMBRA, uma editora que ele acreditava que aceitaria de bom grado publicar a minha primeira meia dúzia de sonetos que eu ensopara da influência de Florbela e achava bons para mostrar.Foi ele quem, uma vez publicados os tais sonetos, teve a paciência de me escrever umas palavras de estímulo e alguns conselhos sobre as vicissitudes a que fica sujeito quem alguma vez decide editar. Tantos anos passados,tenho verificado que,nos compêndios dos meus alunos, Torga é sempre atirado para um muito recôndito plano, como se não valesse muito a pena sequer lê-lo, quanto mais estudá-lo. E qual não é o meu espanto quando há dias leio um artiguinho de Eduardo Prado C oelho no qual, aliviando a consciência a dizer bonitas coisas sobre o cidadão irrepreensível,corajoso , intransigente, e digno,se permite dizer que"por motivos que não serão fáceis de explicar, a obra poética de Torga nada tem a ver com a poesia que hoje se escreve em Portugal". .Diz mais "os seus versos deixam-me quase sempre num estado de indiferemça e nunca me dão o prazer da leitura..."Como assinante do Jornal de Letras, fiquei feliz ao verificar que este jornal dedicou a Torga e ao seu centenário quase todo o número de 1 de Agosto,mas Prado Coelho,sob a diplomática capa de achar isto justo em termos de história literária, não resiste a dizer que"num contexto intelectual não muito estimulante, o aparecimento das obras de Torga e até de Régio foram uma novidade tão retumbante que .em termos só de história literária ,valia a pena o relevo dado pelo Jornal de Letras.E pronto ! Fiquei então agora mesmo a saber que a intelectualidade estimulada não gosta de Torga e o considera um poeta( ? ) de 2ª que ficou a dever alguma notoriedade principalmente à época política em que apareceu tão corajoso e digno a dizer algumas coisas que mais ninguém dizia. Bem, isto daria para armarmos uma interessante polémica, se , em vez do filho se tratasse do pai Prado Coelho de quem fui aluna e que recordo com respeito. Por agora quero apenas afirmar com toda a força que amo oTorga a ponto de ter a ousadia de sonhar seguir o seu modelo. Realmente a poesia que hoje se faz em Portugal,marca uma época nova, mas não vamos desgostar-nos de Camões só porque tivemos a graça de encontrar Sophia... E, do tempo dos sonetos, quero mesmo deixar aqui o que se segue:
A MIGUEL TORGA
Homem inteiro és.Na tua fé
a mesma seiva pura que há na terra.
Quando, junto de ti, a Vida erra,
sofres por ela ser tal como é.
Sofres.Descrês.E blasfemas até.
É o não poderes nada que te aterra.
Mas na crença no Mundo que te encerra
é que tu, naufragado, encontras pé.
Irmão de homens e plantas e animais,
podes ,nos teus penhascos ver ainda
promessas novas de que esperas mais...
E todas as verdades principais
hão-de vir-te ao caminho.E a sua vinda
é que te abre os caminhos por onde vais.
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