18 abril 2009

Prendas

As prendinhas que trocámos com os nossos amigos tiveram sempre um qualquer significado, a menos que não fossem de ou para amigos mesmo, dos verdadeiros.
Com o andar da vida, acabámos por ter,a cada passo,na nossa casa uma presença qualquer daquele ou do outro ,várias vezes multiplicadas...A jarrinha do último natal em que... A moldura daquele dia de anos que... A taça, a caixa,a chávena...Isto para não falar dos utilitários como a máquina de café, a torradeira, o jogo de facas, o espremedor de fruta...E também a coquetterie dos lenços de seda, das caixinhas de comprimidos, do alfinete de pedras...
Bem! Isto tornou-nos possuidores de inúmeras coisas carregadas de significados vários mas que nós, no seu conjunto, acabamos por já nem gozar...
Combinámos então,entre amigos, no alvorecer desta avassaladora idade do consumismo, passarmos a só nos presentearmos com bens perecíveis, como produtos para nos lavarmos, para aperfeiçoar a nossa apresentação física, para comer ou beber, para escrever, e também flores, plantas e livros Tivemos algumas dúvidas sobre a classificação dos dois últimos citados.As plantinhas,se as tratarmos bem, far-nos -ão companhia longo tempo, são mesmo uma companhia com a qual até podemos falar( ! ! !). Sobre a durabilidade válida dos livros é que haverá muito a dizer.Pondo de parte o quanto fisicamente se deterioram, é claro que o seu conteúdo é persistente...quando o é! Porém cada vez estou encontrando mais livros perecíveis. Ninguém certamente está a pensar num CEM ANOS DE SOLIDÃO, nuns LUSÍADAS, num GUERRA E PAZ, numa MADAME BOVARY ou mesmo num MEMORIAL DO CONVENTO.
Mas quanto é publicado apenas arrastado pela esteira dos redemoínhos de uma moda, social, política, moral ou religiosa, ou até de certas inovações puramente literárias, uma vez diluida essa actualidade, passa a ser de facto também um perecível. E,por isso, ´poderá também entrar na categoria das prendinhas de desgaste previsível.E oferecemo-las uns aos outros com essa quase certeza.
Não me querendo deixar entrar pelo campo dos livros em que se estudava e são declarados perecíveis pela via governamental , olho para os livros de agora com uma certa desconfiança quanto à sua utilidade prática.Ocuparão um lugar nas minhas estantes tal como as prendinhas de antes da combinação dos perecíveis.
E não é que agora me vêm oferecer um livro como nunca tive, onde eu própria caibo em duas linhas e cuja classificação só pode ser CURIOSIDADE ?
Com uma admiração toda nova ( onde já vai na minha memória o que me vi obrigada a consultar na antiga Torre do Tombo!), vejo-me com um livro todo dedicado ao estudo da árvore genealógica das famílias que se entrecruzaram até chegar ao mundo a geração do meu marido ! Um dos seus dois laboriosos autores entendeu assim agradecer-me algumas conversas que tive com ele sobre tanta memória, tanta história... E, parafraseando alguém, digo eu ««que farei com este livro?»» Quão estranha profissão a deste simpático autor !
Genealogista! Quem conhece ?
Sempre,cada dia, coisas novas...Até nesta tão bem "arrumada"teoria das prendinhas que desalinho agora, a descobrir avôs e avós insuspeitados a viverem as suas vidinhas lá para trás do sol-posto, sem suspeitarem que de longinquos tempos e espaços alguém os andava a espreitar...

1 comentário:

Joana disse...

"Sempre, cada dia, coisas novas..." Que bom!


Jinhos.

P.S. A percebibilidade actual dos livros, da literatura que se vai fazendo, também me preocupa. E muito...