20 julho 2008

Ser REFORMADO, hoje

Quando, em 93, pedi a minha passagem à situação de reformada, embora não tivesse ainda cumprido todo o tempo que institucionalmente era considerado tempo exigível a qualquer funcionário público, nunca se equacionou nos meus planos de vida e nos daqueles que então apoiaram a minha decisão que, anos mais tarde, a existência desta categoria de pessoas pudesse vir a transformar-se num dos maiores,se não o maior problema dentro da situação económica do país. Creio que se esperava que, muito naturalmente, os que se reformavam fossem ordeiramente morrendo para permitirem "espaço" para outros que iam chegando... Creio também que nunca se pensou que o número dos que iam trabalhando não iria crescer na proporção suficiente para garantir o fundo financeiro necessário para assegurar a manutenção económica daquele grupo de pessoas que teimava em não morrer... E assim, enquanto eu e os meus complicativos processos osteoporóticos vivemos alguns anos numa beatífica paz de consciência, sem uma única sombra a perturbar as minhas mais ou menos regulares confissões quaresmais, e enquanto até me sentia um pouco orgulhosa por ter conseguido aprender a governar um bem apertado orçamento mensal e uma certa descida no padrão de vida, enquanto isto, repito, vejo-me de repente transformada na pior das oportunistas, a viver à custa de tanta gente sacrificada, ralada, persistindo em estar aqui, em estar sempre mais carente de cuidados e não produzindo senão mais um algarismo para as estatísticas mal agoiradas do senhor Ministro... Não se pode dizer que seja esta uma forma de viver, já não digo feliz, mas pelo menos desassombrada ! É que não é só a má consciência : há também aquela sombra permanente de uma "espada de Damócles" sobre a minha cabeça...
E como apetece começar a alardear o trabalho que se "deu" !
Mas, não entrando por aí, acontece que, tendo recebido agora de presente um pequeno livrinho de poemas do autor japonês Issa Kobayashi , constituido por um género tradicional do Japão de pequenos tercetos com apenas cinco e sete sílabas,sem rima (haikus), onde um poeta já idoso se não envergonha da sua velhice encantada com a Vida, eu recordei todas aquelas homenagens que me prestaram e são tão habituais a quem "parte" para a Reforma : os jantares, as flores, a placa de prata gravada a elogios, os presentes com assinaturas de toda a gente, directores incluidos, mas com discursos... E, no meu encantamento pelos poetas orientais, o meu próprio discurso foi a leitura de uma adaptação feita por António Cardoso Pinto sobre um poema chinês:

Porque é preciso partir,
a cada momento.Sempre.
Para qualquer lado.
Ir ! Um gesto, um olhar...
Viajantes somos, das coisas,
dos sonhos,
das estrelas,
do tempo !
Ícaros que ensaiam o voo inverso,
agitando a golpes de asas
as paisagens interiores
do nosso imenso universo...
Avalon, Xangri-la,ou Ilha dos Amores,
Viajantes sempre,
e de uma História sem limite
que continuará...

De 93 para cá, eu creio que este vai continuando a ser o meu discurso... Apesar de tudo...

1 comentário:

Joana disse...

E "Apesar de tudo..." ainda bem! :)))

Jinhos.