Como a experiência de ir vivendo nos vai revelando a multifacetada criatura que é o HOMEM ! Quando estamos convencidos de que já não vai podendo haver muito mais coisas que, vindas dele, nos possam surpreender, bum! aí está uma nova revelação... Não estava habituada (creio que nenhum português estava) a que os governos "reconsiderassem" sobre posições tomadas com grande empenhamento e muita propaganda... E sempre tive opinião sobre aquele "bombardeamento" com a inevitabilidade da construção de um novo aeroporto na OTA. Terei que me colocar, em data de há precisamente 60 anos atrás. Havia, nesse tempo, uma faceta da Segurança Social que proporcionava o que se chamava Casas de Renda Limitada as quais, pertencendo a empresas, se destinavam a serem arrendadas aos funcionários dessas mesmas empresas seleccionados segundo critérios iguais em todas elas. Claro que eram ponderados salários, idades, estado civil, número de filhos e outras coisas. A partir de certa data, constituiu-se uma Federação dos proprietários destas casas e o "sorteio" dos inquilinos passou a ser abrangente, havendo uma lista única de candidatos inscritos, não mais divididos por profissões ou empresas empregadoras. E assim foi atribuida uma casa no bairro de Alvalade ao casal Beja. Perto, pertíssimo do Aeroporto de Lisboa, do qual o meu querido Sogro era director. Então, todos os amigos e familiares nos diziam : — Como é que vocês aceitam ir viver para perto daquele barulho permanente de aviões mesmo por cima da cabeça ? — E o meu marido e o meu Sogro sorriam e contrapunham: — É por pouco tempo. Dentro de mais ano ,menos ano, já se sabe que o Aeroporto vai ser fora da cidade. — Imagine-se que se pensava então em Rio Frio, é verdade !
Contado este "pequeno" pormenor e tendo o meu Sogro sido instrutor de jovens pilotos militares numa Escola de Aviação que existiu em Vila Nova da Raínha(a dois passos da Ota cujas boas e más qualidades ele conhecia de cor,) isto em anos vinte,do século vinte, qualquer pessoa pode calcular o espírito com que eu suportei toda a "excitação" que se gerou em redor da escolha,AGORA, da Ota, por todas as razões e mais uma, como é costume dizer-se... E eis senão quando, o Governo decide não ir para a Ota. E vai para onde ? Logo para ALCOCHETE, uma terra que me encanta,artística, histórica e paisagísticamente falando. Duas admirações de uma só vez ! O Governo ouviu os "barulhos" em seu redor, o Governo decide uma coisa bonita. Sei muito bem que o local onde se fará o aeroporto não é, não poderia ser na localidade chamada Alcochete, mas vai ocupar uma região com carisma e a beleza envolvente vai certamente ter o seu peso.Saudades do Aeroporto barulhento, odorífero e "condenado" há sessenta anos, claro que as vou ter. Quanta recordação, quanta história, quanta VIDA !!! Mas sei que ,enquanto viver, a construção do novo vai permitir-me a companhia do velho.
E só depois, bem depois, haverá alguém a lembrar que, de ALCOCHETE, eu pensava assim:
Há um vazio extenso e aromático
feito de negra vasa
e areia entretecida em limos e algas escuras
e outras daquele verde subaquático
que adquire cambiantes com as marés...
Há um murmúrio puro,de águas rasas,
a embalar conchinhas roçagantes
como sedas carísssimas e ondulantes...
E há a gaivota súbita, a rasgar,
em movimento e som, a paz do amanhecer !
Grito adunco a que respondem mais,
e, em pouco tempo, é de asas
o céu destes sapais...
Longe,lá mais ao fundo,
onde as sombras se acolhem aos pinhais,
espraiam as asas róseas os flamingos
num tremor de pluminhas adejantes...
E é de lá que, rútilo, vem vindo
o clarão da manhã de cada dia...
Lisboa ainda é margem de cinza e esmalte,
envolta em brumas densas de maresia...
Primeiras horas de um fluir fecundo,
primeiros sons a sugerir Dvorak,
e este Tejo todo é um Novo Mundo !...
2 comentários:
Ah, esta extraordinária urdir prosas e poesia, de contar histórias e encantar com poemas! :* Parece-me que voltou e em forma.
Jinhos.
P.S. Haverá alguém a lembrar, certamente!
Ah, esta extraordinária urdir prosas e poesia, de contar histórias e encantar com poemas! :* Parece-me que voltou e em forma.
Jinhos.
P.S. Haverá alguém a lembrar, certamente!
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