As múltiplas situações para as quais algumas vezes me atiraram as funções que desempenhei, permitiram-me, além de muitas outras coisas, conviver temporariamente com pessoas interessantes que vim a perder de vista para sempre, com as quais perdi todos os contactos, mas das quais me não esqueci, justamente porque eram interessantes. E até mesmo guardei delas memórias muito concretas, por um qualquer gesto, ou por uma qualquer expressão de ideias que, na altura, me cativaram. Foi o caso de alguém que, há cerca de trinta anos, numa reunião de várias pessoas interessadas em resolver certos problemas de ordem social, afirmou que só conhecia três formas de se viver : ou como se pode, ou como se quer, ou como se deve. E recordo ainda a longa discussão que esta afirmação suscitou em seguida... Porque a todos os presentes se mostrou desde logo urgente definir qual o alcance do como se pode e o do como se quer, porque do como se deve, todos pareciam saber...
Ora hoje, fazendo uma curta leitura no Evangelho de São Mateus fixei-me numa pequena passagem em que Jesus pergunta"porventura podem-se colher uvas dos espinhos ou figos dos abrolhos ? Toda a árvore boa dá bons frutos e toda a árvore má dá maus frutos".Creio que por esta mesma convicção Jesus amaldiçoa uma triste figueira numa beira de estrada, quando a vê desprovida de frutos... Esta não vivia como se deve e os espinhos e os abrolhos limitavam-se a viver como se pode ... Portanto a noção do dever é algo que trazemos connosco ligada precisamente à ideia de fazer bem feito aquilo para que somos( ou nos tornámos) dotados. Será sair da "norma", viver como se quer ou viver como se pode ,sempre que isso colida com o que a sociedade espera de nós-pessoas-com-as-nossas-cicunstâncias. Em São Mateus, Jesus explicava linearmente ao seu auditório uma coisa tão simples quanto isto : se tens todas as condições para dar bons frutos, é isso que de ti se espera. Não seria porventura ali oportuno reportar-se à infinita misericórdia de Deus que nos dá a margem suficiente para tentarmos fazer coincidir o querer, o poder e o dever , nisto das nossas vidas...
Mas, tal como se estão a apresentar hoje os conceitos de vida, onde reconhecemos cada vez mais espinhos e abrolhos e já vamos desesperando de encontrar os tais bons frutos e,pior que tudo ainda, chegamos a recear pela nossa própria "contaminação", parece compreensível que a atitude de Jesus fosse ríspida, como só ele as sabia tomar, por vezes...
1 comentário:
Bonitas palavras como é tão frequente em tudo o que escreve...
O querer, o poder, e o dever dá de facto o que pensar... sendo que o poder acaba muitas vezes por ser um compromisso entre o querer e o dever... acredito que não se torna fácil atingirmos sempre o dever dado a nossa condição tão humana e longe da perfeição e o querer, claro, é condicionado (quando nos disponibilizamos a isso) pela nossa caminhada com SENTIDO...
um grande beijo Vera
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