05 fevereiro 2010

Ensinar Português hoje

É um fim de dia, acabadas as aulas, e posso dizer que preciso de um descanso, como um guerreiro depois da batalha. Porque é uma verdadeira luta prender o interesse e o gosto pela literatura em geral e particularmente pela poesia a rapazes de dezasseis e dezoito anos, praticantes de todos os desportos, alguns até federados, e entusiastas de toda a espécie de youtubes e ipods e ipads que há. Toda a capacidade criativa de qualquer professor de Português de hoje, tenho a certeza que esbarra com as modernas barreiras de transmissão de conhecimentos, a começar até pela própria Língua, visto que é o inglês que predomina e acontece por vezes que, para" entrarem" melhor no sentido de algumas palavras ou frases eles me perguntam mas quer dizer isto?, sendo o isto dito em inglês !
Mas a verdade é que, quanto mais avançam no cumprimento dos Programas dos respectivos anos, mais as coisas se complicam porque os autores a estudar se lhes vão revelando cada vez mais hereméticos, quase inacessíveis. O primeiro embate vem com o Fernando Pessoa e a questão dos heterónimos. Não acredito que o imenso número de estudantes dos últimos três ou cinco anos que "passou" nos exames em que os textos fossem de Pessoa seja hoje e agora conhecedor de alguma coisa que reste do que meteu na cabeça à força, para o exame apenas, não para SABER. Claro que estou a não contar com as excepçõrs que, quando aparecem são as delícias da alma de qualquer professor. Posso gabar-me de já ter tido essa experiência algumas vezes. Amarem o autor, perceberem a elegância, a ironia, a metáfora, o non-sense, a desconstrução, e o sabor das palavras...Quando isso acontece, é certo que gostam, perguntam, querem saber mais...
Todo este meu desabafo é apenas e só porque creio que o estudo do Português tem que ser conduzido noutro sentido,ou noutros sentidos, porque há demasiada variedade de interesses nos alunos de hoje e não se lhes pode exigir que amem o que nada,fora da aula, os prepara para entenderem. E acresce que os novíssimos autores se deliciam cada vez mais numa forma heremética e cabalística de se exprimirem e que a Língua portuguesa está a ser cada vez mais sacudida por enormes abanões que a diminuem em todo o terreno.
A Língua Portuguesa será ainda a nossa Pátria?

5 comentários:

Celly disse...

Adorei seu blog, e sem duvidas gostei de você também.Meus parabéns.

MM disse...

Cara Maria de Lourdes Beja,

Confesso que muito me agradou a leitura deste seu desabafo.

Penso que a referência às barreiras de transmissão de conhecimento constitui um acertado ponto de partida para se discutir o posicionamento da escola em geral, e da Língua Portuguesa em particular.

Pessoalmente, acredito cada vez mais que perante os conteúdos leccionados nas escolas e mesmo nas universidades, o SABER é uma cega utopia.

Sabe, eu conheço gente mais adulta que vivenciou uma escola muito distinta da escola de hoje, pessoas que ainda hoje recitam de cor poemas e trechos que aprenderam nos tempos escolares.

Convenhamos que isso hoje seria impensável, sob pena de se referirem muito menos assuntos numa sala aula no decorrer de um ano lectivo.

Das duas uma, ou se purgam as matérias e se ambiciona ao SABER do que é relevante, ou então teremos de nos conformar com o atordoamento dos estudantes pela avalanche de conteúdos que sobre eles desaba sem margem de manobra para uma devida compreensão.

A Língua Portuguesa está no meio de um processo de globalização em que concorre com as demais línguas do mundo. Se queremos preservá-la, é bom que consigamos garantir a saúde económica, embora cada vez mais esta língua Portuguesa seja a pátria do Brasil.

Adorei ler e comentar este texto.

Cordialmente,

Marcelo Melo
www.3vial.blogspot.com

Anónimo disse...

MM: MUITO OBRIGADA PELA ATENÇÃO QUE DEDICA AO MEU BLOG! NA VERDADE ESTE TEMA É MUITO "PROVOCADOR"...
COMO DEVE TER VISTO, EU PERTENÇO ÀQUELA GERAÇÃO QUE APRENDEU POEMAS DE COR, MAS O PLANO DAS AULAS QUE ENTÃO RECEBI,PERMITIA ISSO,E NÃO ÉRAMOS TURMAS TÃO PEQUENAS QUANTO PENSA. MAS TAMBÉM É UMA VERDADE QUE DEPOIS, PELA PRÁTICA ADIANTE, VAMOS CRIANDO OS "NOSSOS" MÉTODOS.
SABE QUE O MIA COUTO DIZ QUE A UNIVERSIDADE NOS ENSINA A "APRENDER"E QUE A SUA FUNÇÃO DEVE SER A DE NOS ESTIMULAR CURIOSIDADE ?DEPOIS, É TODO UM TRABALHO MUITO NOSSO...E NUNCA O DAMOS POR ACABADO...

Vanda disse...

Querida Professora =)
grata pelo desabafo e fiquei impressionada por ver a sua foto e ver que tem um blogue =)
já vi que gosta de escrever. que bebe da expressão que é uma língua.
hoje em dia as crianças e jovens já vêm com outras potencialidades, potencialidades essas que geralmente são apagadas. e quando se apaga a luz de uma sala o que acontece? não há vida, não há paixão.
o que sinto é que os jovens querem significado e autoridade baseada em experiência, paixão e amor. alguém que os sinta e que os inspira, em vez de os amarrar.
já experimentou, por exemplo, pedir a eles para trazerem um livro de que gostem? e de trabalharem um pouco sobre esse tema? talvez para começar... ou então, lançar um desafio imenso: dançar uma passagem que achem mais interessante de um livro do programa?
ou falar um pouco da vida de Fernando Pessoa e fazer a ponte entre os anseios dele com os anseios que vivem os jovens hoje em dia.... é que passa muito tempo mas a alma humana é sempre a mesma (como escreveu numa mensagem a sensação de ter vivido várias vidas só nesta vida! mas a Alma é a mesma.... a essência). Como Fernando Pessoa que viveu uma vida como FP mas que teve vários anseios e apanhou as suas várias vozes e personagens interiores e lhes deu nomes. assim intuitivamente, lembro-me de uma actividade que pode ser interessante - declamar algumas partes da obra de FP, criando os diferentes personagens, com diferentes elementos.
também sinto que pode falar com os jovens e perguntar-lhes como se podem tornar as aulas mais interessantes e inspiradoras =) eles são tão sábios........ sinto que uma das lacunas nos sistema educativo é não reconhecer a sabedoria dos alunos.
adoraria ajudar mais se o quiser Maria =) podemos combinar até um encontro na sala de aula com os seus amigos. e espalhar o poder da criatividade e da paixão pela vida =)
Muito Amor

Maria de Lourdes Beja disse...

Sabe que CHURCHIL dizia que sabia muito bem que nesta vida devemos estar preparados para "aprender" até morrer, mas que o que ele não queria mesmo era que lhe ensinassem o que ele já sabia há muito...