30 dezembro 2009

O dia seguinte

Lembro-me de uma frase muito usada pelo Astérix que era mais ou menos: pourvu que le ciel ne nous tombe pas sur la tête...Cheguei a dizer o mesmo de mim para mim neste dia de Natal e principalmente nos dois dias seguintes. O que tem chovido, meu Deus ! E Lisboa que não gosta de chuva, direi mesmo o País, não nasceram para que neles chovesse. Nem nós, ao que parece !
E eu que,sob os insuportáveis Agostos,costumo andar a "suplicar a minha gota de água" como as árvores alentejanas da Florbela Espanca, agora já estou a dificilmente a suportar,porquetemos as paredes decasa húmidas,porque receamos obras nos telhados,porque irrompem borbotos de água pelos caixilhos das janelas que julgávamos completamente estanques e se molham as cortinas, a pingar aqui e ali, porque os livros e os nossos papéis ficam com uma textura mole, porque o jornal pela manhã me chega a dismiluinguir-se, como dizem os brasileiros, e não permite uma separação normal das folhas, e porque, se eu saio, em Lisboa não há onde pôr os pés fora de uma espessura de água inferior a cerca de centímetro e meio, mesmo em avenidas alcatroadas ou passeios de calçada à portuguesa, o que significa que só de botas ou galochas se pode tentar vencer esta ausência de escoamento de águas, coisa por mim deconhecida quando palmilhava com as minhas companheiras da Faculdade,ou com o meu namorado , o longo e multiforme percurso desde São Bento até ao Campo Pequeno sob qualquer condição atmosférica.
Tenho tido, ao longo da minha vida sempre com vizinhos, complicados problemas de relação,por causa das entradas de água da chuva na casa deles(por cima da minha) e a sequente deriva dessa água na minha casa.É também uma razão que me leva a pensar como o Astérix...
E como, até agora, nada ainda caiu na minha cabeça ( em casa) posso dizer que estou comodamente junto da lareira, a ouvir as bátegas a bater nas vidraças e com aquela sensação de quase bem-aventurança a "digerir" o meu Natal.
Aquele Natal social dos jantares e almoços, das visitas mais de carinho ou mais de circunstância, das prendas e dos presentes, dos trabalhos domésticos, dos cozinhados, e do coração a transbordar de exaltação e o corpo a transbordar de cansaço.Passo então a agradecer a Deus o ter-me realmente criado para ser
feliz porque conseguir a alegria ainda, depois de tanta, tanta amargura, tanta desilusão, tanta inquietação, medo e aflição, acumulados numa vida longa como a minha, só pode mesmo ser marca daquilo para que me destinou algomuito maior que tudo isso, certamente ainda no ventre de minha Mãe...

27 dezembro 2009

Sobre a Família

...acumula um tesouro aquele que honra sua Mãe...quem honra seu Pai terá longa vida...e obterá o perdão dos pecados. Lemos estas coisas do livro de Ben-Sirá, numa das leituras da liturgia deste dia consagrado à Família e, mais do que isto, somos levados a meditar como parece ter-se pensado no sem nùmero de dramas de famílias que, nos dias em que vivemos, se desestruturaram porque se deu lugar a que se estás na força da vida,aconteça cada vez mais que se faça o contrário do que a seguir é aconselhado ainda que ele( teu pai ) perca a razão,sê indulgente e não o desprezes. Creio que não há ninguém que não conheça pelo menos uma história de dramas destes.Por isso na época tão bela que acabamos de viver,em adoração àquele Presépio tão simbólico, ouvimos o ruido ensurdecedor, como nunca ,dos apelos a todas as imagináveis e inimagináveis acções de solidariedade organizadas ou não em grupos, campanhas, missões, correspondendo cada um desses apelos sabe-se lá a quantas faltas de indulgência ou a quantos desprezos...
Foi um tema que nos tocou na época própria. Como continuamos sendo aqueles mesmos seres pelos quais nem mesmo o sacrifício de Jesus conseguiu que circulasse só e apenas o Amor ! ! !

25 dezembro 2009

Dia de Natal

Dizia Isaías: como são graciosos, nas montanhas, os pés do mensageiro da paz! Anuncia boas-novas...Assim foi neste advento em que adivinhámos,aqui e ali, o aproximar destes pés e, nestes últimos dias, sentimos que caminharam avassaladoramente, por entre montes e vales, estradas francas e veredas sombrias...Chegaram certamente mais perto de uns do que de outros, trazendo consigo tudo o que nos ia pondo à prova, desde a má notícia que dói, até à consoladora alegria da visita carinhosa e já não esperada ou da palavra que era a única eficaz naquela hora! O Mensageiro da paz chegou uma vez mais ás nossas vidas. E nós a querê-lo, a abrirmos-lhe as nossas portas, as nossa almas, como sempre...talvez mais ansiosas, mais sequiosas do que de outras vezes, mas com os mesmos propósitos... De melhorar, de emendar, de O imitar...
Por hoje, estamos como Isaías :ainda só sabemos admirá-LO e esperar...

20 dezembro 2009

E afinal que Advento?

E chegámos ao último domingo do Advento... Voaram estas quatro semanas !
E eu, tão empenhada em fazer uma longa e serena meditação, encontro-me hoje bastante insatisfeita com o que consegui. Quisera enterrar-me bem no fundo das minhas dúvidas, das minhas imperfeições, das minhas quebras de Fé, e sentir-me lavada, como nova, por tê-las exorcizado, com o meu firme desejo de parar, de não voltar a pisar os mesmos caminhos e de apenas poder,sem vergonha, ficar ali muito tempo parada a olhar bem nos olhos aquela figurinha deitada nas palhinhas, muito menos ingénua( já !) do que a sua própria MÃE cujo olhar eu até agora sempre evitei... Mas não foi bem assim, como eu queria. É demasiado ruidosa e envolvente a vaga que nos apanha, mesmo já numamaré baixa da vida como é esta minha agora. E o pior é que foi bom e eu gostei ! ! !
Foi bom organizar uma como festinha de família para uns quantos, para celebrar o quanto os amo tal como o Senhor meu Deus os fez e os colocou na minha vida, foi bom reconhecer progressos resultantes do meu trabalho com os mais jovens e também com uma Senhora Irmã da Ordem de São João de Deus( Hospitaleira), e com uma doutoranda polaca, ainda tão jovem ( e bonita ) e tão responsável na sua inteligência, foi bom ver expostos, in memoriam, os trabalhos plásticos realizados por ex-alunos numa época conturbada deste país ,entre revoltas e cravos, foi bom ter aquele inefável prazer de reconhecer a vozinha de afinadíssimo soprano de uma ex-aluna fazendo parte de um importante CORAL DE CÃMARA que do Conservatório partiu para a Música Antiga...Foi bom ver Lisboa acender luzes de festa e o povo na rua a Ver as Luzes... Precisávamos de tudo isto, nós todos,embora seja de evitar o crer que o montar-se um presépio e o entregarmo-nos às Festas possa sequer parecer-se apenas com uma recriação teatral. Na Idade Média faziam-se representações teatrais sobre vidas de santos, nos adros fronteiros ás igrejas, para que o povo se familiarizasse com esses exemplos edificantes, e se sentisse solicitado para as boas práticas... Se o que fazemos hoje conseguir melhorar-nos a todos, como povo, porque não ? As boas tentativas como a que trouxe para este Advento terão talvez que ser menos individualistas... Ou não, apesar de tudo...

13 dezembro 2009

Merecer a Alegria

Hoje os senhores padres vestiram os seus paramentos cor-de-rosa. E as palavras dominantes em todos os textos da liturgia são rejubila, exulta, alegrai-vos, júbilo e tudo o que com alegres manifestações possa estar conectado. É porém num outro tom que, no seu Evangelho, São Lucas nos conta que João Baptista, muito interrogado por muitas pessoas e maneiras, acaba por, com as suas respostas, criar uma espécie de código de regras de como agir para, podendo aceder ao Amor de Deus, ter naturalmente também ânimo para essas alegrias.
E são estas as regras:
1ª-Quem tem duas túnicas reparta com aquele que não tem e quem tem mantimentos proceda da mesma forma.
2ª-Não exijais nada além do que vos está fixado
3ª-Não useis violência com ninguém , nem denuncieis injustamente e contentai-vos com o vosso soldo.
Diz-nos o Evangelista que estas eram exortações que João Baptista dirigia àquelas pessoas que o procuravam para que as "introduzisse" na anunciada Graça de serem baptizadas.
Digo eu agora: e nós ? Até somos baptizados. Chegarão sempre até nós estas exortações entusiasticamente clamadas no deserto para ajudar Jesus a limpar a sua eira e a recolher o trigo no seu celeiro ?...

08 dezembro 2009

Conceição, concepção


Conceição, concepção, podemos dizer que é o justo início da geração de um ser vivo e assim é com Nossa Senhora "da Conceição" e "imaculada",quando, não sendo possível precisar o momento em que São Joaquim e Santa Ana geraram Maria, a Igreja teve plena consciência de que Maria apareceu antes de Jesus, na história da nossa religião.Consequentemente entendeu dever estar fora de questão que, desde a eternidade, aquela que deveria ser a MÃE do filho de Deus já estaria escolhida desde o início dos tempos. E, como O precedeu, esta sua precedência teria que colocar o seu nascimento dentro do período do ADVENTO.Tudo isto e muito mais sobre Nossa Senhora explicou a dedicadíssima devoção de João Paulo II na Carta Encíclica Redenptoris Mater de 1987. Desta maneira aqui estamos nós então a ter dia santificado e mais um feriado nacional, que era o que mais faltava que não fosse, uma vez que até o nosso rei D.João IV pôs a coroa de Portugal sobre a fronte de Nossa Senhora...
Confesso que estas misturas de Reis com Santos à bela maneira pagã, nunca foram muito do meu agrado e tenho uma enorme saudade daquele gostinho especial que, quando eu era menina, tinha este dia a que chamávamos com toda a propriedade DIA DA MÃE. Eu sempre dava uma prendinha à minha Mãe, comprada com dinheiro que meu Pai me dava antes de sairmos as duas a fazer compras já para o Natal, eu em feriado de colégio, as lojas lindas de brilhos e cores, muitos encontros «...viva! estás mais alta e os estudos?...» e depois o máximo prazer de, numa Casa de Chá confortável ( às vezes fazia frio ou chovia fininho) tomar um chocolate quente, bem à senhora, quando calhava, com uma ou outra amiga dos meus pais por acaso encontrada naquele brouhaha de uma BAIXA de antes dos tempos dos shopings... Isso era o remate em glória daquele Dia da Mãe em que houvera farófias à sobremesa do almoço e passávamos pela Igreja a deixar umas flores( das que o meu Pai dera pela manhã à minha Mãe), antes de irmos para a Baixa,,,Nossa Senhora da Conceição era nesse tempo também mais nossa Mãe ...

06 dezembro 2009

«endireitai-lhe as veredas...»

Como o dia hoje está feio, mal disposto ! E nem chove, nem está nevoeiro, nem há um grande vento...Ontem andaram por aí com aqueles estrepitosos aspiradores das ruas e as placas relvadas ficaram um brilho de asseio. Pois o pequeno frou-frou das folhas dos olmeiros atirou-as aos punhados para os chãos e hoje está todo o verde de ontem coberto de amarelo... Não poderá a Câmara de agora fazer muito mais para, preparar o caminho do Senhor e endireitarlhe as veredas como reclamava no deserto em altos gritos, João, filho de Zacarias, ou como conta o profeta Baruc que Deus decidiu abater todo o alto monte e encher os vales,tornando a terra plana para Israel caminhar em segurança...até sob a sombra dos bosques e de toda a árvore de aroma...
Tal foi a emoção de um regresso à pátria após o cativeiro, para Baruc e tal era a indignação pelo que via para João Baptista !
Como somos seres sociais, aos tratos entre nós não podemos deixar de chamar política e assim, mantidas as devidas proporções, vemo-nos por aí, no deserto a gritar como João, com tantas veredas para endireitar e compreendemos Baruc
ainda há poucos dias quando festejámos com um feriado nacional a nossa libertação do nosso cativeiro em nossa própria pátria...
Uma sombra se projecta em tão bonitos e paralelos preparativos que gostaríamos de emparceirar com os bíblicos hoje lidos.Baruc diz Ergue-te Jerusalém,sobe ao alto ! E temos dificuldades em entender este jerusalém. Os nossos desejos não conferem agora com esse estímulo, justamente por razões políticas, um jerusalém que é agora o opressor, quando então era o oprimido.
Mas é verdade também que temos que nos transportar ao tempo de Baruc e também temos que lembrar que existe um ornato de estilo a -sinédoque -que sempre nos permitiu usar uma só palavra com um muito amplo valor semântico, podendo portanto o nome de uma só cidade ou de um só país ser apenas o representante de todo um povo que o habite. E bom será esquecermos hoje uma conotação política que nada tinha nem tem que ver com os CAMINHOS DO SENHOR que o ADVENTO nos convoca a procurar.

05 dezembro 2009

Um filme : O Leitor de Stephen Daldry

Há muito tempo que deixei de ver cinema. Que deixei de ir ao cinema. Como a muitas outras coisas.Tudo aquilo que me ponha num limitado ambiente de alienação me afugenta. Pela dificuldade que tenho depois em entrar de chofre numa outra realidade.Com os livros, às vezes quase acontece o mesmo, se são muito absorventes, mas consigo manter sempre um certo controlo sobre pausas e interrupções, que no cinema não posso fazer.Li ultimamente alguns romances, do Dan Brown e Mia Couto a José Rodrigues dos Santos e António Lobo Antunes, um pouco em sessões contínuas porque os tinha recebido ao mesmo tempo e todos me mereciam a mesma curiosidade, cada um por suas razões especiais, mas sempre consegui, depois de cada momento de leitura, centrar-me rapidamente nos meus onde, como, quando, porquê e para quê que me haviam levado a lê-los dessa forma.
Agora, porém, uma amiga trouxe-me, em vez de um livro, um filme.Como um ingrediente de peso a juntar ao que se leria, há que contar com a interpretação, o tratamento que o actor dá ao personagem e que pode ajudar ou desajudar completamente a mensagem que o autor quis passar ao criar o seu "pinóquio"... Neste filme a actriz principal é já uma ganhadora de um Óscar pelo seu talento e o seu partenaire é quanto a mim perfeito, especialmente nos seus silêncios regorgitantes de intencionalidades. O autor do livro - Bernhard Schlink - recebeu inclusivamente o prémio de Literatura do Die Welt em 1999.E assim se juntaram uns tantos ingredientes para que o filme fosse bom e premiado.
Quando eu julgo que já nada mais se poderá contar ( e me poderá ainda amarfanhar ) sobre os horrores dos campos de concentração alemães, lá aparece sempre mais uma outra perspectiva,( até o analfabetismo numa Alemanha dos anos 40! ), mais uma chaga que ainda não fechou no coração de alguém. Juntar a tanta dor, a tanta baixeza, a amostragem do erotismo que nem sob a chuva de bombas na mais desesperada miséria humana deixou de existir e fazer disso o polo comercial da história a contar ( e a vender...) isso é que serviu para que a minha alienação não fosse tão longe, mesmo ao fim de uma hora e quarenta a conviver com tudo isso.
É salutar deixar que as feridas sarem mesmo que as cicatrizes fiquem sempre a
arrepanhar um bocadinho. Fazê-las render, porquê, para quê ?...